Non prævalebunt

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Desde 1861, o «L’Osservatore Romano», jornal oficioso da Santa Sé, publica todos os dias esta frase no cimo da primeira página. Poucos jornais se mantêm ao cabo de quase dois séculos e talvez nenhum conserve o cabeçalho do primeiro ano, mas esta frase ainda é mais recordista de fundo, porque já tem dois mil anos. Um dia, Jesus disse-a a um pescador da Galileia: «Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela» (Mateus 16, 18). Em latim, «…et portæ inferi non prævalebunt».

No século XIX, quando a Igreja era atacada por todos os lados e parecia condenada por forças mais poderosas, o «non prævalebunt» (não hão-de vencer) soava como um grito de confiança em que Deus acabaria por defender a sua Igreja. A barca de Pedro, sacudida pelas vagas, quase a afundar-se, rezava a Deus, que tinha reservado para Si a última palavra.

Passados quase dois séculos de edições do «L’Osservatore Romano», o Papa Francisco retoma estas palavras de Cristo num sentido surpreendente. Não é só que o Inferno seja impotente para afundar a barca de Pedro: a Igreja é que se lança ao ataque das portas do inferno e elas não vão resistir. Um cristão «nunca se fecha, nunca se refugia nas próprias seguranças, nunca opta pela rigidez auto-defensiva»: ao ataque!

Francisco começou o pontificado dando ordem de avançar rumo àqueles territórios que pareciam fora do alcance da Igreja, essas periferias consideradas como propriedade inexpugnável do «Inimigo». Embora fale com muita frequência da acção destruidora do demónio, a ameaça não o detém. A palavra de ordem é atacar, com todos os efectivos: «Todos somos convidados a aceitar este chamamento: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho».

Em tempo de guerra, as debilidades pessoais relativizam-se, em nome da missão confiada: «Não fujamos da ressurreição de Jesus; nunca nos demos por mortos, suceda o que suceder. Que nada possa mais do que a vida de Jesus, que nos impele para diante!».

A batalha de que se trata tem facetas peculiares. Sobretudo, não rejeita, não impõe. Num texto célebre, justamente intitulado «A Alegria do Evangelho», o Papa Francisco classificou esta missão como o anúncio da alegria. O contraste com a estratégia do Inimigo não podia ser mais flagrante.

«O grande risco do mundo actual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada. Quando a vida interior se fecha (…), deixa de haver espaço para os outros, já não entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus, já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem. (…). Muitos caem neste risco, transformando-se em pessoas ressentidas, queixosas, sem vida. Esta não é a escolha duma vida digna e plena».

A proposta da Igreja avança na direcção contrária: «Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria. Quero dirigir-me aos fiéis cristãos a fim de os convidar para uma nova etapa evangelizadora marcada por esta alegria e indicar caminhos para o percurso da Igreja nos próximos anos».

Esta convocatória universal não se dirige aos «pregadores», porque «nos compete a todos como tarefa diária: cada um levar o Evangelho às pessoas com quem se encontra, tanto aos mais íntimos como aos desconhecidos. (…) Ser discípulo significa ter a disposição permanente de levar aos outros o amor de Jesus; e isto sucede espontaneamente em qualquer lugar: na rua, na praça, no trabalho, num caminho».

Vistos cá de baixo, os infernos deste mundo parecem inexpugnáveis, mas o panorama que Deus tem diante é diferente. Há dois mil anos, Jesus Cristo constituiu a Igreja sobre a rocha – sobre Pedro – anunciando-lhe a vitória: as portas do inferno não têm hipóteses.

«Porque esperamos nós?» – pergunta Pedro, que hoje também se chama Francisco (Evangelii gaudium, 120).