Os funcionários já sabiam que a empresa se debatia com a falta de encomendas, mas não antecipavam que, hoje, ficariam à porta das instalações da Sioux Portuguesa, uma fábrica de calçado em Boim, Lousada.

A unidade industrial, cuja empresa mãe é alemã, emprega 150 pessoas, sobretudo dos concelhos de Lousada e Paredes, vai avançar com a insolvência. Os trabalhadores, que não têm salários em atraso, temem pelos seus direitos e pelos postos de trabalho e garantem que vão manter-se em vigília, de noite e de dia, até para evitar uma possível retirada de máquinas.

Pedem respostas e criticam a “incerteza” em que a empresa os deixou.

“Não sabemos se a fábrica foi vendida ou se foi à falência”

Já há algum tempo que a empresa se ia debatendo com falta de encomendas pontuais. Os trabalhadores ficaram em casa durante três semanas. “Quando chegamos cá na segunda-feira passada tínhamos um aviso na porta a dizer que devíamos continuar em casa por falta de encomendas”, conta Tiago Barbosa.

Na sexta-feira os trabalhadores receberam o ordenado, mas ficaram alarmados quando souberam que a empresa estava a retirar todo os letreiros identificativos da marca do edifício. “Se fossem fazer tudo direito não retiravam os símbolos e diziam que era para salvaguardar a marca”, critica Luís Fernandes, que é funcionário há sete anos.

“Não sabemos se a fábrica foi vendida ou se foi à falência”, queixava-se Paulo Santos, também trabalhador na empresa.

“Os responsáveis de cá disseram que estavam a cumprir ordens da Alemanha e que ainda não sabiam ao certo o que ia acontecer, mas que a empresa podia entrar em processo de insolvência”, relata Tiago Barbosa.

Esta manhã, os funcionários apresentaram-se ao serviço, só que ficaram à porta. Entretanto, contam, estiveram no local um sindicato do sector e a Autoridade para as Condições do Trabalho que os terão aconselhado a não deixar as instalações “sem um documento” justificativo da empresa. Os responsáveis acabaram por entregar um a cada trabalhador, em que declaravam “que por falta de encomendas os trabalhadores estão autorizados a permanecer em casa até ordens contrárias, mantendo o vínculo laboral e a remuneração”.

Mas o medo continua. “Temos medo pela incerteza. Há aqui jovens de 30 e poucos anos e outras pessoas de 50. Há marido e mulher a trabalhar aqui e gente que trabalha aqui há 33 anos. E a fábrica não nos diz nada. Queríamos que alguém viesse ter connosco a dar-nos alguma garantia ou os papéis do fundo de desemprego”, defende Cristina Ribeiro, que trabalha há 14 anos na empresa.

“Ficar à porta sem uma palavra é humilhante”

Alguns trabalhadores estão na empresa há mais de 30 anos. Há muitos casos de casais, dependentes destes ordenados, e também de mães que sustentam filhos menores e não têm mais nenhum rendimento.

É o caso de Maria do Céu Silva que trabalha na empresa há 32 anos. “Sou viúva e ainda não tenho nenhuma pensão e tenho uma filha menor a estudar. Só vivemos do meu ordenado. Estou assustada com esta incerteza. Já ando a tomar antidepressivos e isto ainda me deixa pior”, lamenta a mulher de 53 anos, de Lousada.

“Tenho duas filhas a estudar e uma está na faculdade. Moro sozinha e elas dependem de mim e do meu ordenado. Pago 250 euros de renda e estou com medo do futuro. Se não receber no próximo mês passo fome e não consigo manter a minha filha na faculdade”, corrobora Liliana Ribeiro, de 38 anos. “Estamos aqui à espera de respostas. Não podemos baixar os braços. Há algum tempo que isto se ia arrastando com problemas de encomendas, mas não estávamos à espera de que fossem agir assim. Ficar à porta sem uma palavra é humilhante”, garante a trabalhadora de Paredes, pedindo que os deixem “seguir em frente”.

Também Elvira Cunha, de 53 anos, mora com a filha não tem outro sustento. No ano passado, frisa, houve despedimentos, mas “com tudo direitinho”. “E nós até hoje não tivemos a mínima queixa. Houve só um atraso de dias no pagamento em setembro”, comenta. “Sempre foi uma empresa que pagava como o sol. E regalias como havia nesta fábrica não voltamos a ter. Ainda pensávamos que podia fechar, mas nunca desta maneira”, lamenta.

Autarquia acompanha o caso e confirma processo de insolvência

No local esteve a vereadora da Acção Social e da Indústria e Emprego da Câmara de Lousada. Cristina Moreira adianta que o município está a acompanhar a situação e a garantir que os trabalhadores estão bem encaminhados. “Fomos perceber se havia necessidade de algum apoio imediato, mas as coisas estão controladas”, disse.

À autarca, a empresa confirmou que ia dar entrada no processo de insolvência. “Mas está tudo em aberto. Pode haver negociações ou interessados em comprar. As coisas são muito precoces ainda. Já oferecemos a nossa ajuda à empresa para negociações com potenciais compradores. O próprio mercado, caso aconteça o pior, pode absorver parte destes funcionários”, acredita.

A Sioux Portuguesa emprega cerca de 150 pessoas. No ano passado já cerca de 40 tinham sido despedidos num processo de redução de pessoal, mas por mútuo acordo e com o pagamento de todos os direitos, salientam os trabalhadores. Há 11 anos terá havido um outro despedimento de cerca de 70 pessoas.

O Verdadeiro Olhar tentou contactar a empresa, mas sem sucesso.