Foto: Leonel Vieira

Depois de ter sido notícia a nível local e nacional e comentado nas redes sociais, o processo de importação de resíduos de Itália para o aterro da RIMA, em Lustosa, foi debatido na última Assembleia Municipal.

Se o PSD falou “na vergonha” de ver o concelho definido como “o caixote do lixo” do país, o PS criticou o aproveitamento político feito do tema pelo principal partido da oposição.

O presidente da Câmara de Lousada adiantou que ainda aguarda os testes, mas diz não acreditar que haja qualquer perigosidade nos resíduos ali depositados, não concordando, de qualquer forma, que um aterro feito para dar resposta às indústrias da região receba lixo de outros países. Ao que tudo indica, disse Pedro Machado, os resíduos serão sobretudo “roupas e plásticos”.

“Se isto não estiver acabado estarei na linha da frente para evitar que mais lixo de Itália ou de outro país estrangeiro venha para aquele aterro”, assumiu o autarca, garantindo ainda que não será permitida qualquer ampliação daquele aterro.

“Nunca na vida senti vergonha de ser de Lousada excepto quando abrimos telejornais como o caixote do lixo internacional”

Foi Armando Silva, presidente da Junta de Lustosa, o primeiro a pegar no tema. “Lustosa tem sofrido muito e já vínhamos a pedir o encerramento deste aterro. Foi uma surpresa para toda a gente e a população merece um esclarecimento sobre os resíduos vindos de Itália. Está de sobressalto. O que precisamos de saber, para que a população fique mais tranquila, é se os resíduos são ou não perigosos, se ainda vamos receber mais resíduos de Itália e se se prevê alguma data de encerramento?”, questionou o autarca local.

Pelo PSD, Filipe Barbosa foi mais longe: “Nunca na vida senti vergonha de ser de Lousada excepto quando abrimos telejornais como o caixote do lixo internacional”, afirmou.

O eleito social-democrata acrescentou que a história do lixo italiano é só “a ponta visível da pouca-vergonha que se instalou ali”. “Deve haver poucos casos no país em que dois aterros sanitários de grandes dimensões coexistem lado a lado”, criticou, apontando ainda o facto de a Câmara de Lousada ter uma participação residual na empresa RIMA.

“Gostava que me explicassem porque é que, em 2001, a Câmara se associa a um consórcio para abrir um aterro de resíduos industriais ao lado de um aterro que já existe, transformando a Serra de Campelos num imenso caixote do lixo. E o que é que a Câmara ganha com uma participação minoritária e 0,88%? Qual o retorno para o concelho?”, perguntou Filipe Barbosa.

O membro da bancada do PSD questionou ainda o que se pretende fazer em termos de responsabilidades políticas. “Em 2001 houve uma decisão política de permitir o nascimento de um aterro ao lado de outro. Quando vai fechar o aterro da Ambisousa e quando vai fechar o da RIMA e o que se vai fazer para minorar os atentados ambientais cometidos. O que se vai fazer para que a população tenha de volta alguma qualidade de vida?”, apelou.

Ainda pela oposição, António José Mendes, do CDS-PP, definiu este como um tema importante e pediu que “não houvesse divagações” e tentativas de “dividendos políticos”. “Gostava que nos focássemos no essencial sem nos perdermos com questões laterais. Senhor presidente custe o que custar diga-nos toda a verdade”, solicitou, pedindo ainda união em torno do problema.

“Alguém eleito, com responsabilidade política, quando sabe que um crime vai ser cometido em vez de alertar, fica à espera, filma…”

Da bancada socialista, vieram elogios à acção do executivo socialista e críticas ao aproveitamento político pelos vereadores do PSD.

Primeiro foi João Fonseca. “O lixo é uma questão que nos preocupa a todos. Também vinha falar de lixo, de políticas de tratamento de lixo, mas também de lixo político. Se há quem queira ver a questão resolvida, também parece que há pessoas que quanto pior, melhor”, apontou desde logo.

“Fico orgulhoso sempre que se recebe um prémio e se diz que Lousada está na linha da frente do que ao Ambiente diz respeito. Mas há quem nos deixe envergonhados e diga que isto é uma cortina de fumo para esconder um cenário dantesco, dando a entender que a nossa vila não passa de um aterro a céu aberto. Cada um saberá a imagem que quer transmitir da nossa terra”, acrescentou o socialista.

João Fonseca alegou depois que a Câmara, quando confrontada com o problema, encetou todos os esforços para o resolver junto das diferentes entidades, enquanto outros – os social-democratas – fizeram de tudo para “recolher dividendos políticos”.

“Nas últimas semanas fomos assistindo a uma postura dentro das reuniões de câmara, com ponderação, e passado umas horas vinham para as redes sociais tentando causar a dúvida com informações deturpadas. Houve quem fosse filmar a chegada dos camiões, mas não alertou as autoridades por não saber se era lixo italiano. O que interessava era que houvesse alarme social. Alguém eleito, com responsabilidade política, quando sabe que um crime vai ser cometido em vez de alertar, fica à espera, filma…”, criticou o eleito do PS.

A intervenção de Maria do Céu Rocha foi no mesmo sentido. “A Câmara foi incansável e em 15 dias conseguiu uma resolução do Conselho de Ministros para impedir que o lixo viesse para Portugal, e não só para Lousada. Ainda assim continuaram a acusar o município de conivente e incompetente. Pede-se aos eleitos, oposição ou não, que sejam responsáveis naquilo que dizem”, realçou.

“O PSD deve assumir qual a posição sobre estes aterros. Acham que são perigosos os lixos que estão a ser ali colocados, mesmo sendo a RIMA licenciada e fiscalizada por diferentes entidades? Acham que a RIMA deve existir e para dar resposta às necessidades da região? Ninguém gosta de aterros, mas têm de estar em algum lugar. São a favor ou contra?”, questionou a socialista.

“Estamos todos contra os resíduos de Itália porque precisamos daquilo para o lixo da região e foi para isso que foi criado. Centremo-nos em questões técnicas e deixemo-nos de achincalhamento político”, concluiu.

“Não me passa pela cabeça que os resíduos vindos de Itália sejam perigosos”

Seguiram-se os esclarecimentos de Pedro Machado sobre este aterro que tem vindo a gerar polémica e ao qual continuaram a chegar resíduos de Itália mesmo depois da proibição do Governo, o que levou a Câmara a intentar uma providência cautelar para travar o processo.

“Não me passa pela cabeça que os resíduos vindos de Itália sejam perigosos. Mandamos fazer, além das que já existem, para que não fique dúvidas sobre a não perigosidade dos resíduos. Pela informação que me foi dada pelo senhor vereador Leonel Vieira, em reunião de câmara, à vista só há lixo normal, resíduos de plástico e roupas”, descreveu o presidente da autarquia.

Para o autarca a questão é de princípio, sendo que estes resíduos não devem ser tratados como uma mercadoria e vir para o país por questões económicas. “O Governo apercebeu-se que o assunto estava a tomar proporções exageradas e, em Janeiro, foi emitido o despacho para proibir nova importação de lixo”, lembrou. Mas a lei não tinha efeito sobre as autorizações já dadas.

Ainda assim, Pedro Machado diz que foram apanhados de surpresa com a importação de resíduos para aquele aterro. “Já tinha sido abordado anteriormente pela RIMA e disse ‘nem pensem numa coisa dessas’, porque o aterro quando foi criado foi para resolver um problema do concelho e da região. Nunca me passou pela cabeça que à revelia da câmara isso viesse a acontecer”, elencou.

Quando confrontada com a situação a Câmara de Lousada tentou parar o processo e pediu a intervenção do ministro do Ambiente, o que veio a acontecer. Mas a empresa não terá respeitado a lei e ainda recebeu resíduos. “Estou de relações cortadas com a administração da RIMA e estamos em litígio. Tivemos de ir novamente para tribunal. Agora não me passa pela cabeça que venham a violar uma ordem do tribunal. Vamos agora intentar a acção principal e continuar atentos e vigilantes para evitar que deposição continue. Se alguém tiver alguma informação que não tenhamos que partilhe connosco”, apelou a todos os eleitos presentes.

Pedro Machado disse-se também desiludido com o “aproveitamento político” realizado pelo PSD. “A única pessoa que esteve à altura da responsabilidade foi o senhor presidente da Junta de Lustosa que não entrou em populismo e não alarmou as pessoas”, afirmou.

Quanto ao encerramento do aterro, o edil lousadense esclareceu que a expectativa era de quatro a cinco anos, no pressuposto de que seria ampliado. “Mas já disse na última reunião de Câmara que tudo farei para que não se concretize o que estava previsto para três fases. Estão construídas três células e estava prevista uma terceira. Tudo farei para impedir e tenho argumentos válidos, como a quebra da relação de confiança que é irremediável. A Câmara tem ferramentas jurídicas para o conseguir”, argumentou.

“Senti-me desconfortável, mas nunca senti vergonha de ser lousadense por causa disto”, respondeu por fim a Filipe Barbosa. “O nosso problema está a acabar, mas o país vai ter um problema no futuro em colocar estas estruturas, por causa deste populismo”, referiu o presidente da Câmara de Lousada, dando como exemplo o concelho da Trofa, que está actualmente a contestar a criação de um aterro.