Sabe aquela anedota em que um inglês, um francês e um português discutem qual é a coisa mais rápida do mundo? Sempre que corre para a casa de banho, Vera Gomes lembra-se do pai a contar-lha quando era mais jovem.

E foi com humor que resolveu aceitar a colite ulcerosa, doença inflamatória do intestino, auto-imune e sem cura que lhe foi diagnosticada aos 27 anos.

Acreditando que “tristezas não pagam dívidas” e afirmando que gosta de ser feliz “só por preguiça”, a natural do Vale do Sousa, que agora reside em Bruxelas, lançou, este fim-de-semana, um livro, em que dá o seu testemunho sobre como é viver com esta doença. Deixa ainda dicas e espera conseguir ajudar os outros.

“Já houve alturas de crise em que fui 30 a 40 vezes à casa de banho por dia”

Nasceu em Paredes, viveu em Paços de Ferreira e Lousada e, agora, vive e trabalha em Bruxelas. Por isso, quando lhe perguntam a naturalidade, Vera Gomes, de 38 anos, diz que é do Vale do Sousa.

Formada em Relações Internacionais, trabalha na área da política espacial, numa instituição de Bruxelas, desde 2013.

Foi ainda antes que descobriu a doença que havia de lhe mudar o mundo.  O diagnóstico oficial aconteceu no final de 2007, depois de seis meses a discutir sintomas e a fazer exames. O sentimento, assume, foi agridoce. “Foi bom ter um nome, mas foi assustador saber, com 27 anos, que é uma doença crónica, para a vida. Pensamos ‘e agora’”, conta.

Também não esconde que foi preciso aceitação e adaptação. Não foi o fim do mundo, mas houve dias em que pareceu. “Já houve alturas de crise em que fui 30 a 40 vezes à casa de banho por dia com diarreia. E já fui dos 35 aos cerca de 70 quilos, devido à medicação. Isto é muito difícil de gerir, olhava ao espelho e não me reconhecia”, confessa. “Tenho roupa no meu roupeiro entre os 40 e os 55 quilos, que uso dependendo da actividade da doença. Não é fácil aceitar as mudanças no corpo e há muitos doentes que se isolam para não falar do assunto”, explica, dando como exemplo: “as pessoas falam mais à vontade da vida sexual do que sobre o que fazem na casa de banho”.

Em 2016, sofreu uma grande crise que a deixou cinco meses sem trabalhar, a obrigou a um internamento e lhe deixou alguns problemas reumatológicos. Também se viu forçada a usar fraldas para poder levar uma vida mais normal. “O período em que tive que usar fraldas abalou-me psicologicamente, mas ou era isso ou não sair de casa”, refere. É que um doente com uma doença inflamatória do intestino tem episódios de emergência em que, às vezes, nem 30 segundos dão para chegar a uma casa de banho. “Custou-me imenso aceitar que não podia trabalhar, que ia ter que ser internada, mas isso permitiu-me dar passos atrás e estar aqui hoje”, esclarece.

“Quero desmistificar a doença e deixar uma mensagem de esperança e motivação”

Depois dessa última grande crise – actualmente está em remissão – quis aceitar a doença e tornar o mau em algo de bom, ajudando os outros. Juntamente com uma amiga, Ângela Vilas Boas, que sofre de doença de Cronh, criou uma comunidade online chamada “Doença de Cronh/Colite Portugal” que reúne mais de 2.200 doentes em Portugal. É um espaço de partilha, seguro e sem preconceitos que permite aos doentes apoiarem-se entre si.

As duas criaram também uma petição para a melhoria das condições dos Doentes com Doença Inflamatória do Intestino, que reuniu mais de 11 mil assinaturas e que foi entregue na Assembleia da República, aguardando agendamento para discussão em sessão plenária do Parlamento. Os pedidos são claros: a inclusão destas doenças na lista das doenças incapacitantes; a isenção de taxas moderadoras; e a permissão de acesso a casas de banho habitualmente restritas em situações de emergência.

Nessa tentativa de aceitar, decidiu também escrever um livro que fala da sua experiência com a doença. “A rir e com humor, que é a única forma que sei falar disto. Quero desmistificar a doença e deixar uma mensagem de esperança e motivação”, diz Vera Gomes. Chama-se “(Con)Viver com Doenças Inflamatórias do Intestino” e foi apresentado, este fim-de-semana, no Museu Municipal de Penafiel, durante o 3.º Simpósio de Doenças Inflamatórias do Intestino, que visou informar e sensibilizar para estas doenças que afectam mais de 20 mil portugueses e mais de seis milhões de pessoas no mundo, sendo as mais frequentes e conhecidas, Crohn e Colite Ulcerosa. Durante o simpósio, foi ainda lançado o site www.crohncolite.pt, com informação e testemunhos.

“A doença abranda-nos mas não nos pára. É preciso aprender a viver com ela”

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O livro “é uma forma de me ajudar a mim própria a aceitar que tenho que viver com isto para o resto da vida”, assume. Além de contar a sua experiência e peripécias, dá dicas sobre como lidar com a doença, fala dos tratamentos e cuidados a ter. Tem ainda testemunhos de quem vive a doença, em várias perspectivas, desde médicos a pais. “Há gente que deixa de sair de casa por não saber se vai encontrar uma casa de banho numa situação de emergência”, dá como exemplo.

Hoje, Vera Gomes diz que sabe que uma doença inflamatória do intestino não é o fim. “É o fim do mundo como o conhecemos, mas o início de um novo mundo em que podemos tentar levar a vida o mais normal possível”, acredita. “A doença abranda-nos mas não nos pára. É preciso aprender a viver com ela”, defende.

Escolhe aceitar tudo com humor porque, garante, “a rir custa menos”. “É normal sentir medo, mas não podemos deixar que esse medo nos impeça de viver e seguir em frente”, diz.