Três irmãos e dois filhos perpetuam em Valongo uma tradição com mais de 120 anos. Na fábrica dos Biscoitos Diogo faz-se tudo em família. Até a avó de 90 anos ainda dá uma mãozinha a embalar. Para divulgar a marca e levá-la mais longe os filhos abriram uma loja no Porto onde são vendidos os biscoitos, mas não só.

Ali todos acumulam sabedoria de muitas gerações e uma paixão que não sabem bem explicar.

“O que nos dá alento e alegria é o facto de a fábrica se manter sempre na mesma linha de geração. É muito bonito para nós”, refere João Paulo Melro, bisneto do criador da empresa.

“Falar de Biscoitos Diogo é falar de amor, do amor ao negócio e à família”, garante.

Uma vida dedicada aos biscoitos

As mãos de Maria Eugénia Moreira Coelho, de 66 anos, e de Cândida Moreira Melro, de 67, já praticamente trabalham sozinhas. As duas irmãs, e o irmão Paulo Moreira, de 51 anos, que é o forneiro de serviço, mas também ajuda com as massas na produção, são herdeiros de uma tradição de produção de biscoitos familiar cuja história já vai longa.

Foi desde crianças que aprenderam a lidar com a massa. “Eu saí da escola na quarta classe, aos 10 anos, e vim para aqui. Nunca fiz mais nada. Até quando andava na escola ia para a escola de tarde e, de manhã, ainda vinha um bocadinho aqui. Os meus avós chamavam por mim. Eu até gostava muito de brincar, mas eles chamavam e eu lá vinha. Diziam ‘anda que tens umas mãos pequeninas’”, recorda Cândida. Primeiro acomodava os biscoitos nas latinhas forradas a papel, depois passou para a embalagem. Entretanto ela e o irmão substituíram a tia que amassava e fazia os biscoitos quando ela se reformou.

Na memória tem todas as receitas. “Temos um livro com as receitas, mas sei as massas de cor. São todos os dias a fazer a mesma coisa, a gente fixa”, explica a valonguense que, mesmo depois de trabalhar ali todos os dias, ainda tem vontade de comer biscoitos, sobretudo malfeitos, digestivos ou os barquinhos.

A irmã Maria Eugénia teve vida semelhante. “Andei a estudar até aos 13 anos e vim para aqui ajudar. Ao princípio fugia, que não gostava muito de trabalho. Trabalhar era aqui com a minha irmã que era mais trabalhadeira que eu. Depois comecei e cá estou. Trabalhei aqui a vida toda e criei aqui os meus filhos. Não sei fazer mais nada. Gosto de fazer biscoitos”, conta. Cada irmão tem o seu trabalho ali dentro. A ela cabe fazer biscoitos, atender clientes, fazer pagamentos e compras. Já as receitas e o amassar estão com os irmãos. “Já disse que têm de me deixar tudo escrito. Se um dia calham de ficar doentes e não podem vir eu sento-me aqui e não faço nada”, brinca.

Ambas gostam de ver os filhos a juntar-se ao negócio de família que todos anseiam por preservar. “Gostava de passar as receitas para isto continuar. Fiquei contente de ver o meu filho criar a loja. Não estava à espera”, admite Cândida. “Gosto de ver cá a minha filha. Vem-nos ajudar, dá-nos muito jeito, e um dia mais tarde nunca se sabe. Não somos eternos. Temos de deixar um dia e isto é para continuar”, atesta Maria Eugénia, enquanto vê a filha, Susana Coelho, a fazer biscoitos. “Isto pode ser o futuro. A vida dá muitas voltas e eu gosto disto”, confessa a jovem.

Todos ficam satisfeitos a ver a reacção dos clientes que ali vão. “As pessoas mal entram aqui dizem logo que cheira muito bem, dizem logo ‘ai que cheirinho’. A gente que está aqui metida nem nota”, comenta Maria Eugénia.

Sabedoria passa de geração em geração

Cabe a João Paulo Melro, filho e apaixonado pela história da família, contar como tudo começou.

“A Casa Diogo conta uma longa história. A nossa fábrica terá começado inicialmente, sempre na mesma família, ali junto da Igreja de Valongo, pela Cândida de Sousa Ribeiro, a minha tetra avó, que trabalhava ali conjuntamente com os pais na produção do pão e do biscoito”, descreve. Ela, entretanto, casa com António Alves de Marques Moreira, que tinha o objectivo de fazer com que o negócio crescesse.

Foi então que se mudaram para a zona da Boavista, onde a fábrica está implementada, ainda que num edifício diferente. Tiveram vários filhos, que quase todos se dedicaram à mesma arte. “O meu bisavô fica com os biscoitos, as irmãs ficaram com a produção do pão”, resume João Paulo Melro.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

É então que é registada a Fábrica de Biscoitos (Moreira) Diogo, uma forma de homenagem aos seus pais, que nunca mais mudou de edifício nem parou de laborar, embora fosse sofrendo obras de adaptação aos novos tempos.  O avô António Diogo e a irmã Silvina Diogo mantiveram a produção de biscoito, sendo agora substituídos pelos três irmãos – Cândida (mãe de João Paulo), Maria Eugénia e Paulo (tios).

“Dois oito filhos que o meu avô e a minha avó tiveram foram eles os três que escolheram ficar aqui na produção do pão e do biscoito e aqui continuam hoje em dia e dedicam-se de corpo e alma”, explica. “O meu tio Paulo, que é o forneiro, sabe a quantidade certa a colocar no forno. De manhã conseguem-se fazer biscoitos que não precisem de um forno tão quente e o biscoito da parte da tarde já precisa de um forno mais quente. E não há ali um termómetro, é a experiência de uma vida. Esta sabedoria vai passando de geração em geração e não se sabe explicar. Acho que é algo inato, é uma paixão, sem dúvida”, garante João Paulo Melro.

“1900 foi o ano em que efectivamente o meu bisavô regista o negócio e lhe dá o nome de Biscoitos Diogo, por isso contamos 120 anos em termos legais, mas é claro que a família labora e produz pão e biscoitos há muitos, muitos anos”, salienta ainda.

Loja nasceu para divulgar biscoitos no Porto

João Paulo Melro assume-se como “anfitrião da casa”. “Falo do negócio da família com grande paixão e adoro comer biscoitos”, brinca. Ele e os primos cresceram todos no meio da produção.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

Ele formou-se Assistente Social, mas a vontade de estar ligado ao negócio da família nunca o largou. Então ele e uma prima lançaram-se a criar a Casa Diogo, no Porto, para divulgar o negócio centenário.

“Toda a gente conhece os nossos biscoitos em Espinho. Sentimos que no Porto havia pouca divulgação dos nossos biscoitos e que havia muitas casas que recebiam o nosso biscoito, mas sem identificação, para fazer embalamento nos seus próprios sacos. A loja surge em Miguel Bombarda, em 2014, e chama-se Casa Diogo Biscoitaria e Mercearia Fina. Vendemos os nossos biscoitos e outros produtos”, resume.

Os clientes ficam cativados pelos biscoitos, mas também pela história associada, sobretudo os estrangeiros. “Foi importante a criação da loja, sem dúvida. Temos recebido encomendas de uma japonesa que vive na Alemanha”, dá como exemplo.

É na loja que está o livro com as receitas do tempo dos bisavós. “Há biscoitos que deixaram de se produzir porque não saíam tanto, mas há biscoitos que continuam a ser produzidos e cuja receita consta desse livro. Os métodos mantêm-se em termos artesanais. O forno a lenha é um elemento extremamente importante. As máquinas que existem são o cilindro para a produção dos cacos e bolacha francesa, depois temos a amassadeira, mas todo o resto é uma produção muito manual”, garante João Paulo. “É tão manual que obriga a que muitas vezes estejam aqui a trabalhar desde as oito da manhã até às nove da noite para conseguir dar resposta às encomendas”, comenta.

“O segredo é uma boa massa e dose de amor”

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

Os biscoitos mais produzidos são os digestivos e os cacos. Mas também os biscoitos de milho, já premiados no concelho, e os barquinhos produzidos pela mãe, que “são uma perdição”, alerta.

Há a rosca inglesa, os torcidos, os mal feitos, as canelinhas, os sonhos, os de champanhe. “É uma imensidão de biscoitos”, admite. A produção de cada qualidade depende da procura.

Há clientes que compram directamente na fábrica e depois têm vários revendedores na zona do Grande Porto. “Em Espinho há uma casa que é cliente do tempo do meu bisavô, a Casa Alves Ribeiro”, explica. “Há clientes com 70 e 80 anos e conhecemos pelo seu nome”, acrescenta.

Os Biscoitos Diogo caracterizam-se por não levar quaisquer corantes ou conservantes. “Não há ali nada que vá conferir o paladar ao biscoito. É o forno a lenha, a produção artesanal e a ausência total de corantes e conservantes”, diz João Paulo Melro.

“Como diz a minha avó que tem 90 anos: O segredo é uma boa massa e dose de amor. E é verdade”, constata.

No Natal, são particularmente procurados, porque muita gente quer oferecer biscoitos. É também nessa altura que fazem bolo rei cujo segredo não revelam. Na Páscoa há pão-de-ló e, durante todo o ano, fazem regueifa doce e bolos.

Imagem nos sacos retrata história da família

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

Apesar de manter a tradição, o negócio não quer parar. Pelo contrário. “Não são dois dias, são cem anos, e isto tem de continuar, não pode acabar”, diz o bisneto do fundador.

A par disso, querem acompanhar a evolução dos tempos e as exigências dos clientes. “Queremos criar uma imagem ou um sortido com uma imagem diferente, mas sem nunca perder esta. A imagem que consta dos sacos foi o nosso bisavô que a talhou na madeira e que a marcava no papel. Retrata a minha bisavó a ir buscar a água à Fonte da Senhora para fazer os biscoitos e a capelinha que se vê no cantinho da saca é porque o seu pai tinha feito uma promessa à Nossa Senhora dos Chãos que se o ajudasse no negócio dos biscoitos, a construir uma casa maior, ele iria a pé todos os domingos da sua vida e assim foi. O meu bisavô retratou nos sacos a história da família”, concluiu João Paulo.