O espetáculo “Zé do telhado”, apresentado no passado fim de semana tinha, tem como figura central o mítico salteador que ficou para sempre lembrado por roubar aos ricos para dar aos pobres. Todos conhecem a figura nascida há 200 anos, embora o comportamento a ele associado esteja “fora de moda”. Talvez seja, aliás, por isso que permanece no imaginário coletivo! Numa atualidade marcada pelos ricos e influentes displicentes em relação à forma como são gastos os dinheiros públicos, tirar ao pobre para dar ao rico tem sido a nota dominante. Não usam, no entanto, armas contundentes ou perfurantes e, por isso, não são degradados, nem presos, nem tampouco julgados. Por isso, em comparação com a fina ladroagem dos dias que correm, chegamos a ter piedade do nosso Zé do Telhado.

A figura do Zé do Telhado seria, por si só, motivo para um grande espetáculo e de uma ida à Avenida do Sr. dos Aflitos. Era essa, aliás, a ideia que levava, mas fui surpreendida pela História. Num contexto pós-revolução Liberal, marcado ainda pelas guerras entre liberais e absolutistas, Zé do telhado não é só aquele que rouba e reparte com os pobres. É um homem marcado pelas circunstâncias do seu tempo, políticas, económicas, sociais, religiosas… E a sua ação é uma resposta também a essas circunstâncias. O enquadramento histórico é crucial para percebermos o Homem e as suas ações.

Por isso, parabenizo todos aqueles que deram corpo a este grandioso espetáculo, que nos conta uma história com História. Sou suspeita, bem sei, porque me seduz o passado, a sociedade e o Homem de outrora, até porque quase nunca são anacrónicos. O ser humano, na sua essência, pouco tem mudado. Uma rainha que tenta iludir o povo e evitar a sublevação popular, um ministro agarrado ao poder, um padre pouco católico… São estas as figuras que desfilam perante os nossos olhos. Quem não as identifica no séc. XXI?

Em suma, uma peça de outros tempos para o nosso tempo. Didática também. No final, tive de explicar ao meu filho que tirar aos ricos para dar aos pobres não é lícito, a não ser que se trate de impostos, que servem para ajudar aqueles que têm mais dificuldades em áreas tão importantes como a educação e a saúde. “Ah… Os impostos são para ajudar os pobres?”, perguntou, com ar de espanto. Nem ele acredita!