Nas últimas semanas, muito se tem falado da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento. No início, desvalorizei o debate, porque estava (e está), como quase tudo o que pulula nas redes sociais, cheio de empolamentos e radicalismos, aos quais sou avessa. Mas, sem ter a pretensão de veicular a minha verdade, gostaria agora de partilhar um ponto de vista, que poderá enriquecer o debate.

Aqueles que têm medo do perigo da “doutrinação” que estará no embrulho da disciplina da discórdia, têm motivos para temer, e muito, a escola e os professores! Nenhum professor precisa da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento para moldar o pensamento dos alunos. A liberdade que o professor tem para escolher um texto, uma imagem, um excerto de um filme, o tema de um debate é suficiente para doutrinar os alunos indefesos. Por isso, vamos ser claros: o que está em causa não é uma disciplina, são os professores. Felizmente, a esmagadora maioria ensina a pensar, porque foi educada no espírito democrático, valorizando a liberdade e a tolerância.

A legislação e documentos orientadores emanados do Ministério da Educação insistem no pensamento abrangenteem profundidade e no desenvolvimento do pensamento reflexivo, para que LIBERDADE de escolha seja efetivaNão é legítimo que um professor, seja em Cidadania e Desenvolvimento ou em qualquer outra disciplina, contrarie esses princípios, que devem fazer parte do perfil dos alunos no final da escolaridade obrigatória. Esta deveria ser também a primeira preocupação dos pais: ensinar os filhos a pensar! Mas, quando leio o rosário de comentários sobre a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, repletos de juízos de valor, radicalismos e afirmações avulsas, percebo o alarido! Falta pensamento crítico, baseado numa análise profunda, sem enviesamentos nem preconceitos.

Aos pais cabe a função de escolher a educação dos filhos. É este o argumento que mais tenho lido contra a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento. Assim dito, parece uma verdade incontestável. Da minha geração quem nunca ouviu a expressão do pai ou mãe: “Enquanto estiveres debaixo dos meus telhados é assim”? Não havia, na altura, argumentação possível. Agora é mais difícil. Sobretudo dá mais trabalho. É uma chatice ter de explicar porquê, principalmente quando, às vezes, não temos a explicação na ponta da língua. 

A velha ordem, os velhos costumes, tudo muito padronizado, sem sobressaltos, nem explicações…. Era tudo bem mais fácil, dirão alguns. O problema é que a nova normalidade assenta no respeito pela diferença e pela liberdade. Não consigo aceitar que os pais eduquem os filhos promovendo a intolerância ou o desrespeito pelas opções dos outros ou pelo ambiente E, se eu, enquanto professora, presenciar situações ou intervenções nesse sentido, podem crer que agirei. Porque, independentemente da disciplina, todos os professores têm esse dever. Todos os professores são professores de cidadania. “Manifestar a autonomia pessoal centrada nos direitos humanos, na democracia, na cidadania, na equidade, no respeito mútuo, na livre escolha e no bem comum1 é o comportamento do aluno verdadeiramente livre, que deve ser promovido.

Por isso, quando me perguntam se é necessária a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, digo que não, mas não descarto a responsabilidade da escola no que diz respeito aos conteúdos programáticos da disciplina, que incidem em valores que não são facultativos e que todos os professores têm o dever de promover.

Gostaria de ver um debate centrado nos conteúdos da disciplina, bem sustentado, com argumentos fortes e menos assente no “foi o que ouvir dizer” ou “parece que é”.  Sei que há algumas designações que incomodam porque estão impregnadas de interpretações e suposições. Mais do que pedir o fim da disciplina, tenhamos a coragem de questionar e perceber, primeiro, o que está em causa.  Dá um bocadinho mais de trabalho, mas vale a pena!

  1. 1. “Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória”, homologado pelo Despacho n.º 6478/2017, 26 de julho.