Caro Leitor,

Antes de mais explicar-lhe esta minha prolongada ausência.

A pandemia que nos assola há vários meses e que nos consome a liberdade todos os dias obriga cada um nós a uma maior exigência profissional, mas também, e no meu caso em concreto, a uma reserva na crítica política aos diferentes atores políticos locais.

Contudo, e em viagem de retorno a casa para voltar ao confinamento do teletrabalho e com a chuva a bater na janela decidi, voltar às minhas crónicas e com uma opinião muito própria, livre e sem amarras de lhe falar com aquela liberdade que nem este maldito “bicho” nos consegue limitar.

Mas, foi esta mesma chuva e o tempo de escuridão que me fez procurar, e esquecer um pouco o trabalho, a leitura de notícias da minha terra e claro está, perceber a real situação do COVID no concelho de Paredes. Não foi preciso muito, para descobrir que existem vários motivos de preocupação.

As noticias que se acumulam por todos os meios de imprensa nacionais e locais, mostrando um cenário dantesco no Centro Hospitalar Tâmega e Sousa, o nosso hospital, devem-nos fazer repensar, analisar e decidir se realmente todos nós, como atores políticos, fizemos tudo o que estava ao nosso alcance para evitar este cenário e esta tragédia.

É revoltante ver as pessoas acumuladas em corredores à espera dos cuidados de saúde que anseia. É revoltante ver as pessoas queixarem-se de mais de 16 horas de espera para um atendimento na urgência. É triste, muito triste, ver os profissionais de saúde, quer sejam médicos, enfermeiros ou outro qualquer “soldado da saúde” descrever o que está a viver e a sofrer no seu dia a dia naquele hospital. Dão tudo o que têm, sofrem o que não podem e mesmo assim não os vejo a berrar ou a exigir por melhores condições laborais, mas sim, a pedirem melhores condições para aqueles que tentam por tudo ajudar a salvar!

Contudo, e talvez a maior revolta nestes tempos é pensarmos que um administrador hospitalar em plena crise e num dos seus primeiros atos matinais de gestão, envia um email à tutela a suplicar por ajuda, porque simplesmente não tem recursos, meios e espaço para tratar tantos doentes.

Por momentos pensei que nada mais era do que um simples ato de desespero a suplicar por ajuda do país.

Contudo, e porque a vida tem destas coisas, um dos meus pais ligou-me. Era a minha mãe e já faz parte daquele grupo: ”o grupo de risco”.

Após falar com ela e num minuto de silencio depois pensei: ” Caramba! Que incompetência de país! Como é possível isto num país como Portugal que se afirma de 1º mundo? E se fosse um dos nossos – pais, avós, irmãos ou um simples amigo – que fosse para aquele inferno de urgência com o maldito do bicho?”

Foi isto que me fez acordar!

Não posso acreditar que o CHTS, o nosso hospital, não se tenha preparado para este cenário! Todos os anos, e particularmente no inverno, ouvimos e lemos que a urgência do hospital está um caos. São pedidos meios, solicitadas aumentos de verbas à tutela, são solicitados aumentos dos quadros médicos e de enfermagem e nós não conseguimos prever que este cenário dantesco da 2ª vaga nos fosse chegar? Como é possível esta falta de preparação?

O hospital serve mais de meio milhão de pessoas, numa das regiões mais pobres do nosso país e com “apenas” 200 casos vemos um cenário dantesco que nos faz lembrar um qualquer filme de terror? Como foi isto acontecer?

E por favor! Não me falem da irresponsabilidade das pessoas!

Não são 1000, nem 10000 pessoas internadas a mais! São 200, caramba! Este número torna-se ainda mais absurdo se pensarmos que mais de meio milhão de pessoas, repito mais de MEIO MILHÃO DE PESSOAS, dependem deste hospital!

Se isto fosse matemática, era qualquer coisa como 0,001% da população!!!!!

Como é possível durante mais de 4 meses ninguém prever este aumento de internamentos e de atendimentos na urgência durante uma 2ª vaga?

Como é possível durante mais de 4 meses em que os casos eram quase nulos não termos aumentado em muito o número de camas disponíveis para internamentos COVID?

Como é possível durante mais de 4 meses em que os casos eram quase nulos não termos aumentado o número de “soldados da saúde”, quer sejam médicos, enfermeiros ou qualquer outro profissional de saúde?

Como é possível durante mais de 4 meses em que os casos eram quase nulos não termos preparado uma urgência para atender as urgências normais de um povo mais a urgência deste maldito bicho?

Como é possível durante mais de 4 meses em que os casos eram quase nulos não termos pensado em construir um hospital de campanha para suportar mais camas e consequentemente protegermos mais pessoas?

Como tudo isto é possível?

Oferecemos uns quantos, ventiladores para umas boas fotos, mas fomos incapazes de exigir e fiscalizar um plano de proteção para as nossas gentes?

Mas, no final tudo isto ainda se torna mais grave quando volto a ler notícias que uma nova linha de comboio é a prioridade para alguns dos nossos autarcas!

O que nós precisamos desesperadamente neste momento é de cuidados de saúde para o maior número de pessoas que pudermos! Como é possível esta falta de noção do ridículo?

Um comboio ao invés de um hospital?

Se eu perguntar a um qualquer adolescente hoje que tem de escolher um comboio novo e um novo hospital, eu tenho a certeza que a noção e o bom senso dirá sempre um hospital!!!!

E nem sabemos aproveitar a ajuda europeia?

A UE vai disponibilizar 45 mil milhões de euros só para Portugal. Um grande fatia tem de ser gasto em infraestruturas e cuidados de saúde. Onde está a preocupação destes senhores em resolver o mais urgente possível esta clara falta de recursos e infraestruturas do nosso hospital?

Antes de discutirem o comboio do orgulho, já discutiram com o governo o aumento do hospital e o número de camas? Ou já iniciaram estudos para descentralizar hospital e colocar mais e melhores cuidados de saúde o mais perto possível das pessoas?

Como é possível ninguém se ter revoltado com esta falta de preparação do hospital que serve quem os elegeu? Como é possível ninguém ter pressionado durante os meses de verão este conselho de administração para ter um plano claro no combate ao COVID?

Nem quero imaginar quantas consultas, diagnósticos, cirurgias ou exames vão parar nos próximos tempos. Quantas pessoas vão sofrer e desesperar porque simplesmente estes soldados da saúde não se podem dividir e trabalhar infinitamente!

E não me venham com a treta de que isto é responsabilidade dos outros! A nossa responsabilidade enquanto homens eleitos é protegermos os nossos!

Caro presidente Alexandre Almeida, os seus eleitos não querem o betão na ponta da máquina fotográfica. Querem sim homens de betão na luta por mais e melhores condições de saúde para toda a população.

Esqueça lá o “comboio do orgulho” e deixe que o seu orgulho voe para onde é preciso.

Hoje, o nosso maior orgulho tem de ser em primeiro lugar salvarmos as pessoas que sofrem por este maldito bicho e depois, sem outra hipótese, agradecermos a todos aqueles homens e mulheres que todos os dias lutam pela vida de um desconhecido, mas que a qualquer momento pode ser um dos nossos!

Comboio não! Um melhor hospital sim!