O presidente da Câmara de Valongo, José Manuel Ribeiro, manifestou, esta segunda-feira, estar preocupado com a possibilidade da empresa de gestão de resíduos Recivalongo, efectuar descargas para a Ribeira do Vilar, localizada a jusante do aterro de Sobrado e da Estação de Tratamento de Águas Lixiviantes (ETAL).

Além do presidente da câmara municipal, a iniciativa contou com vários elementos da Associação Jornada Principal e de várias dezenas de populares que voltaram a exigir o encerramento do aterro de Sobrado.

“É público, o processo que temos na vila de Sobrado, concelho de Valongo, relacionado  com a actividade de uma empresa Recivalongo e do aterro que foi aqui indevidamente autorizado em 2007, é um processo cheio de coisas muito estranhas. O processo da renovação das licenças bem recente é algo que também tem de ser investigado. Pedi, hoje, a presença da população e a ajuda do movimento que defende o ambiente. A empresa Recivalongo tem um pedido no Ministério do Ambiente para que seja autorizada a descarga do lixiviado deste aterro nesta ribeira. Esta é uma ribeira que é intermitente, que tem água quando chove e não tem água quando não chove. É um percurso de água com estas características e estamos com muito medo que seja autorizada a descarga neste ribeiro”, disse, salientando que a Recivalongo ainda recentemente foi condenada a pagar a multa máxima, pela segunda vez, 44 mil euros, por descarga indevida no colector público.

“O colector e o sistema público não estão preparado. O índice de contaminação deste tipo de lixiviado é brutalmente elevado. Eles foram contaminados porque o valor era 300% acima do valor aceite por lei. É uma empresa que tem um histórico de reincidência. Se for autorizada esta descarga, se o Ministério do Ambiente autorizar  esta descarga, vai em pleno século XXI criar um esgoto a céu aberto numa vila da Área Metropolitana do Porto, com todos os impactos que isso tem de contaminação do lençol freático. Estamos a falar de 100 metros cúbicos de lixiviado produzidos todos os dias ”, disse, salientando que a empresa está impossibilitada pelas razões que são públicas de fazer a ligação ao colector e se este pedido for autorizado terá um impacto “terrível”.

“A Câmara de Valongo não podia calar-se. Achamos isto tudo muito estranho, sabemos que há um pedido, sabemos que foi anunciado  o dia 28 para a conclusão do trabalho de Comissão de Acompanhamento do Aterro de Sobrado, em Valongo. Fico espantando como é que é possível neste país, um país tão avançado como Portugal não ter abertura para incluir representantes da sociedade civil. A verdade é que na sexta-feira serão anunciadas as conclusões e estamos extremamente preocupados com a ausência de informação do pedido para poderem verter neste percurso de água lixiviados desta empresa”, concretizou, avançado que o país  não pode tolerar este tipo de situações.

” Governo não deu qualquer resposta à Câmara de Valongo. É por nós não sabermos qual é o resultado do pedido de autorização para poderem descarregar o lixiviado num curso de água que não tem água que achamos que é nosso dever tornar isto público”

O chefe do executivo recordou que já expôs inclusive a situação ao Ministério do Ambiente.

“Na última reunião que tive com a secretária de Estado mostrei todo o desconforto e o desconforto é imenso. A história deste aterro tem de ser contada. O aterro foi mal localizado em 2007, o processo de renovação das licenças é uma coisa absolutamente indecorosa que merecia uma investigação a fundo. Como é que é possível renovar licenças de exploração deste aterro e além de terem renovado aumentaram o número do tipo de resíduos que podem  vir para cá. Nunca deixei de dizer exactamente qual era a nossa posição”, concretizou, manifestando que este aterro está em cima das escolas, da escola do primeiro ciclo, da Escola Profissional de Valongo.

“Na vida política há que ter coragem. Não podemos ter medo dos interesses privados. Ou há coragem para enfrentar o que está errado, mesmo que isso mexa com interesses privados, económicos, ou então andamos aqui a enganar as pessoas e eu não fui eleito para isso”

“Isto é uma coisa absolutamente incrível. Não é possível. O Governo não deu qualquer resposta à Câmara de Valongo. É por nós não sabermos qual é o resultado do pedido de autorização para poderem descarregar o lixiviado, num curso de água que não tem água, que achamos que devíamos tornar isto público”, recordou, declarando que próximo da ribeira de Vilar há pessoas que cultivam campos e existe um dos mais importante produtores de vinhos verdes.

“Se já é horrível viver com o que temos aqui, imagine-se com um esgoto a céu aberto o que vai ser! Façam o exercício do que é viver num sítio onde as pessoas não podem abrir as janelas, onde as crianças não podem sair para brincar. Estamos em Portugal, no século XXI. Não é possível. O Ministério do Ambiente ou defende as populações ou não pode andar a fazer de conta que anda a defender não sei o quê”, apontou, reiterando criticas à Comissão de Acompanhamento.

“Façam uma sonda. Fazem-se sondas para tanta coisa, para o lítio…era importante saber o que andamos a receber. Andamos a ferir o solo, a prejudicar as pessoas e só pedimos transparência e informação”

“Tenho a sensação que a Comissão de Acompanhamento foi criada exactamente para criar tudo na mesma. Estou ao lado da população porque o que queremos é que haja coragem. Na vida política há que ter coragem. Não podemos ter medo dos interesses privados. Ou há coragem para enfrentar o que está errado, mesmo que isso mexa com interesses privados, económicos, ou então andamos aqui a enganar as pessoas e eu não fui eleito para isso. Estou farto de palavras. Quero acção, atalhou, sustentando que a autarquia não irá ficar por aqui neste processo.

“Vamos continuar. Não vai ficar assim, como é óbvio. Não podemos aceitar isto. Quando há um erro corrige-se. A pior coisa num erro é metermos a cabeça na areia. Aqui alguém cometeu um erro que foi deixar vir para cá esta actividade e, portanto, o que tem que ser feito é corrigir. Como é que se corrige o erro? Encerrar. Não é adequado. Além do mais, esta operação levanta aqui muitos problemas que nunca são explorados, nomeadamente quem é que fiscaliza o que é depositado. Não sei o que é depositado. Ninguém sabe. Já pedimos à Associação de Defesa do Ambiente que está ligada a este processo desde o início e estamos fartos de pedir fiscalização. Façam uma sonda. Fazem-se sondas para tanta coisa, para o lítio…era importante saber o que andamos a receber. Andamos a ferir o solo, a prejudicar as pessoas e só pedimos transparência e informação. As pessoas já não toleram isso. Isso já não é uma forma ajustada de lidar com as pessoas. As pessoas não são parvas. Exigem transparência, clareza, processos cristalinos. Estamos a denunciar a irracionalidade de uma linha de água que não tem água, autorizar lixiviado numa linha que não tem água é fazer desta linha de água um esgoto a céu aberto”, reiterou.

“As pessoas tem encarado isto como uma obrigação da associação, mas esta é uma causa de todos”

Sílvia Lino, estudante, 10.º ano, residente em Sobrado, mostrou-se igualmente preocupada com tudo o que está a acontecer.

“É um caso que me preocupa enquanto habitante de Sobrado,  que tem consequências na comunidade e efeitos no futuro dos mais jovens”, disse, reconhecendo que só com o apoio de todos esta causa poderá ganhar mais visibilidade.

“Estamos preocupados, as pessoas deviam mostrar mais interessante. As pessoas tem encarado isto como uma obrigação da associação, mas esta é uma causa de todos. Acredito que aumentando o nosso descontentamento tudo isto pode ter efeitos”, recordou.

Sara Neves, Sobrado, manifestou, também, sérias reservas com todo este processo e o facto dos seus filhos e toda a comunidade estarem a ser sujeitas aos maus cheiros.

“Estou solidária. Tenho uma filha que está na escola que quando vem ao recreio os cheiros são imensos. Em casa, não conseguimos abrir as janelas. Além dos cheios, os insectos são frequentes. Queremos minimizar esta situação. Existem muitos interessantes instalados, mas vamos continuar a lutar”, adiantou.

“Se o Governo estivesse ao lado a população já teria fechado isto”

Ricardo Soares, alinhou, igualmente, pelo mesmo diapasão e considerou que esta é uma questão de saúde pública.

“Vivo aqui e esta é uma situação que me preocupa. Tenho dois filhos e estou preocupado com o seu futuro. Enquanto existir interesses do Governo não acredito que isto vá para a frente, mas não vamos para. Se o Governo estivesse ao lado a população já teria fechado isto. Enquanto não houver atitudes drásticas, isto não pára. Os cheios são imensos, está a chegar a Valongo e há cada vez mais pessoas afectadas por isto. Existe uma escola a 100 metros, a Escola Profissional, a Preparatória. Estamos a falar em crianças, na saúde pública. Gostava que pegassem neste lixo e o colocassem no Terreiro no Paço ou no Parque Eduardo Sétimo, talvez aí tomassem mais medidas”, confirmou.

Nuno Silva, Sobrado, reforçou, também, estar deverás preocupado.

“Estou deverás preocupado, pertenço à associação, temos feito o que nos é possível no sentido de alertar para os riscos, mas estamos a sofrer com os cheiros. Isto é uma questão de saúde pública. Vamos tentar fazer o que conseguimos. Queremos  o encerramento até porque o aterro está perto das casas, existe uma escola perto. Urge resolver tudo isto”, acrescentou.

“Não queremos pertencer a uma comissão de acompanhamento de fachada e que está a branquear o que a empresa está ali a fazer”

Marisol Marques, da Associação Jornada Principal, destacou que estes dados trazidos pelo presidente da Câmara de Valongo e tornados públicos esta segunda-feira são alarmantes. “Estamos a contaminar a água, o ar e não tarda estamos todos doentes em Sobrado. Não queremos pertencer a uma comissão de acompanhamento de fachada e que está a branquear o que a empresa está ali a fazer. No início houve de facto uma intenção, convidaram-nos apenas para perceber, não nos convidariam para integrar a Comissão de Acompanhamento, mas o que o povo de Sobrado quer é o encerramento. Não há negociação possível. O senhor ministro tem uma decisão a tomar no dia 28 que a tome com muita responsabilidade e sensatez. Não podemos respirar. Estão a tirar-nos aquilo que é mais básico e essencial ao ser humano. Hoje sabiam que a comunicação iria estar cá e por isso os cheiros não se fazem sentir. Ontem, não se conseguia respirar. Não temos festas feriados, no Natal e no Ano Novo foi insuportável”, atalhou.

Já o presidente da Junta de Sobrado, Alfredo Sousa, confirmou estar ao lado da comunidade e que vai lutar no sentido de condicionar tudo o que seja prejudicial para a população local.

“Sublinho e estou de acordo com o que o presidente da Câmara disse. Estamos juntos. Em Portugal, no século XXI, é inadmissível isto acontecer. A Junta de Freguesia fará tudo para condicionar o que se está a passar e não vejo outra opção que não passe pelo encerramento do aterro”, afirmou, adiantando que a cinco metros existe uma mina que é usada para lavadouro e para animais e está contaminada.

“É inadmissível um aterro a duzentos metros da população. Lamento, mas farei tudo para condicionar esta solução. Pelos interesse envolvidos estou algo céptico, mas vamos continuar a lutar, fazer valer a nossa força que é a força da verdade e vamos ter de mudar a nossa forma de actuar”, asseverou.