Lado a lado, sentam-se músicos com experiência de décadas e aqueles que estão apenas a começar. Partilham os ensaios e os palcos e ensinam-se uns aos outros.

“Ter esta diferença de idades é muito importante porque os mais novos precisam de experiência dos mais velhos e os mais velhos precisam da revelia desses mais novos, há uma complementaridade”, acredita o maestro, Manuel Barros que quer conduzir a Banda Musical de São Vicente de Alfena, em Valongo, que está a completar 80 anos de história, a novos patamares de excelência.

A instituição tem vindo a reinventar-se. Em 2015 constitui-se como colectividade e uma das grandes apostas passou pela reactivação da escola de música.

Idades diferentes mas a mesma paixão 

Jorge Maia e Henrique Andrade, ambos de Alfena, são exemplo desse intercâmbio intergeracional. Separam-nos mais de 60 anos, mas juntos ajudam a banda a chegar cada vez mais longe.

Jorge tem 74 anos. Entrou para a banda por volta dos 15 anos. “O meu pai era músico e os meus irmãos eram músicos. A sobremesa lá em casa era a música”, conta com um sorriso. Começou a tocar caixa, depois tímpanos e a seguir bombo e pratos. “Sempre gostei dos instrumentos que toquei”, garante.

Esteve afastado da banda durante 13 anos. Mas depois dos filhos criados regressou. “Havia a vontade de estar aqui. Tenho aqui família, três sobrinhos. Sempre gostei de estar na banda e tudo o que aprendi de música foi na banda. Com esta idade, é o gosto pela banda que me mantém cá”, assegura o sénior que, apesar das mudanças de reportório e de ser mais difícil de acompanhar não virou costas ao desafio.

Os dois filhos, uma médica e outro professor, também estudaram música, mas não persistiram. “Tenho pena de nenhum ter seguido. Eu fico cá enquanto puder e enquanto não me mandarem embora”, garante Jorge Maia.Henrique, de 11 anos, seguiu o irmão, que já integrava a Banda de Alfena. Toca clarinete e assume que estar com este grupo de pessoas é uma “experiência diferente”. “Aqui evoluo mais rápido e aprendo com as pessoas mais velhas. Apesar da diferença de idades damo-nos todos bem”, diz o jovem que frequenta a escola de música e actua com a banda e que sonha com um futuro na música.

Constituição como associação dá início a nova história

Foi a 13 de Outubro de 1940 que nasceu a Banda de Alfena. A história, de quase 80 anos, fez-se de altos e baixos.

“Diria que estamos no terceiro momento da fase desta banda”, explica o padre Manuel Fernando Soares, actual presidente. Depois da fundação o projecto foi evoluindo mas entrou em crise. Teve mesmo um interregno de um ano. Mais tarde, elementos da banda intercederam junto do padre Nuno Cardoso para que não deixasse o projecto musical morrer. Foi aí que a banda passou a estar ligada ao Centro Social e Paroquial de Alfena. Essa segunda fase durou até há cerca de cinco anos. “Tal como acontece com as bandas e todos os organismos, têm o seu início, têm o seu apogeu e um momento dourado e evidentemente as coisas vão mudando e cristalizam-se alguns mecanismos. Entramos então numa curva descendente em termos de qualidade e de adesão e, até, em termos de sustentabilidade da própria instituição”, reconhece o pároco.

Foi então que a banda, até então “gerida de forma muito simples e doméstica” e funcionando como uma “espécie de valência cultural do Centro Social” teve de se adaptar às novas realidades, constituindo-se como colectividade, através da criação de uma associação.

“Criaram-se novos estatutos, evidentemente que a partir daí foi criada autonomia para a própria banda para ela poder crescer e desenvolver-se ao abrigo de órgãos directivos que foram constituídos pela primeira vez há cerca de quatro anos. E então começamos uma nova história”, refere Manuel Fernando Soares.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

Nesta nova etapa, a parte mais importante passa por encontrar mecanismos de sustentabilidade. “O mecenato está numa época frágil, não há grandes apoios, as festas que seriam geralmente o espaço onde as bandas iam buscar o seu meio de subsistência, são cada vez menores e às vezes muito reduzidas”, dá como exemplo. Além das festas que faz anualmente, em média 20, existem agora apoios da Câmara Municipal de Valongo.

A associação fez com que a responsabilidade se reparta por várias pessoas, sendo que o facto de agora terem estatutos, um relatório de contas ou um plano de actividades permite aceder a outros apoios financeiros. Era “necessário ter uma estrutura directiva, uma estrutura artística, onde cada um sabe o lugar que ocupa e as suas tarefas”, acredita o pároco.

Novo maestro é chefe da PSP e é de Paredes

A Banda de São Vicente de Alfena foi das poucas que teve à sua frente uma maestrina, Antonieta Moreira, a primeira mulher a ocupar um cargo de regência numa banda filarmónica e que dirigiu a banda mais de três décadas.

O seu papel é reconhecido. “Nesta terceira fase começamos com a maestrina que, numa segunda fase, levou a banda aosaos ombros em termos de trabalho musical e direcção artística e até mesmo em termos de organização e contactos com comissões de festas”, conta Manuel Fernando Soares.

Agora há um novo maestro. É Manuel Barros, natural de Cete, Paredes, e com um percurso musical com provas dadas. É também chefe da PSP.

“Comecei a aprender música com oito a nove anos por força do meu pai, que também era músico na Banda de Música de Cete. Entrei para a Banda com 10 anos e ali me mantive até cerca dos 19 anos”, resume o maestro. Voluntariou-se então para a Banda Militar da Região Norte, na Infantaria 6, onde esteve cerca de três anos. Chegou a concorrer para a GNR, onde entrou, mas desistiu. Concorreu então para a PSP e foi colocado primeiro na Banda da PSP de Lisboa e depois na do Porto, onde ficou entre 1994 e 2005. A dada altura passou a ser o maestro em substituição.

Paralelamente, em 1988 formou uma orquestra que deu origem à actual Orquestra Ligeira do Vale do Sousa. Foi a partir dessa altura em que começou a considerar ser regente de uma banda de música.

“A dada altura surgiu a oportunidade, através da Banda de Música de Baltar, porque houve uma saída do maestro e alguém se lembrou de mim. Fizeram a proposta e aceitei. Estive lá 12 anos”, recorda Manuel Barros.

Depois de algum tempo afastado, a Banda de Alfena fez um concurso e escolheu-o. Está ali desde Novembro de 2018. Tem vários cursos na área musical e é ainda executante de saxofone numa orquestra na Trofa.

Banda tem atravessado um período de renovação

Mas não foi só o maestro que mudou. A banda tem estado a atravessar um processo de renovação. “Houve elementos antigos que saíram. É uma renovação com alguma profundidade, mas que nos dá algum alento porque olhamos e vemos um leque bem preenchido, uma banda que está a crescer. Ficamos felizes porque tudo isto tem sido um trabalho de muita gente, tem valido a pena e os resultados vão-se notando”, diz Manuel Fernando Soares.

“O grupo de músicos que temos agora é um grupo renovado, com gente muito nova que nos dá aqui uma garantia de podermos ter um caminho em crescendo, em progresso. Este em crescendo é no sentido de termos também qualidade artística, porque a banda para poder ter saídas, precisa de ser valorizada, de ser apreciada, de afirmar-se culturalmente”, defende o pároco.

Quando chegou, Manuel Barros encetou a tarefa de mudar mentalidades e de tentar aproveitar as aprendizagens que considerava positivas. Mas não esconde que trouxe mudanças. “As saídas criam resistências. Há sempre qualquer coisa que fica, porque saem e acham que não era a hora de sair, porque há músicos que ficam e acham que quem foi embora não devia ter ido. Já consegui unir o grupo e a banda, reconhecidamente, está num processo de evolução. Claro que temos muitos degraus para subir, mas cada dia é um novo desafio, se assim não fosse seria muito fácil”, argumenta o natural de Paredes. Uma das grandes alterações foi no reportório que foi praticamente todo novo, numa “aposta no ligeiro, no clássico e no tradicional”. “O público-alvo hoje em dia é isso que pede e nos temos que estar preparados”, frisa.

Quanto às gerações que ali se cruzam, Manuel Barros é peremptório: são uma mais-valia. “Esta diferença de idades é muito importante porque os mais novos precisam da experiência dos mais velhos e os mais velhos precisam da revelia desses mais novos. Há uma complementaridade, é muito fácil lidar com estas pessoas”, afiança.

Escola de Música era essencial para dinamizar

E é também para apostar nessa renovação que uma das primeiras apostas, em que direcção e maestro não podiam concordar mais, passou pela reactivação da escola de música da banda.

“Apesar de termos ido buscar alguns elementos a academias, não chega. É necessário ter aqui um pólo próprio para poder dinamizar”, argumenta o padre Manuel Fernando.

“A escola de música existiu e praticamente ficou extinta. Com a vinda do novo maestro o projecto da escola de música ficou definido como uma das nossas necessidades, para que se fossem trabalhando novos talentos para poderem estar integrados na banda”, adianta. Primeiro para alimentar “o bichinho da música” e depois para integrar os futuros músicos no ambiente da banda, criando proximidade. “Havia alturas em que bandas eram com pessoas adultas, agora temos cada vez mais jovens e até crianças que vêm com os pais”, atesta.

“Qualquer banda que se preze pode ter a escola de música pior do país, mas tem de ter uma escola de música. A banda só poderá sobreviver se a escola de música existir. Porquê? O futuro está nesses alunos”, defende o maestro.

A aposta terá sempre que passar por essa juventude, tentando desenvolver as suas aptidões. “Quanto ao futuro da banda, o máximo é sempre difícil de atingir, mas queria que a banda atingisse um patamar de excelência e que se pudesse equiparar a bandas de renome a nível nacional”, espera Manuel Barros.

A receita parece estar a resultar. “Tem havido bom ambiente, trabalho, empenho e colaboração de todos e chegamos a este ponto em que até temos uma sala que em algumas alturas dava para alugar espaço e agora temos uma sala que já não chega. As pessoas vêm, estão empenhadas, participam, são assíduas”, adianta Manuel Fernando Soares.

“A Banda é uma bandeira muito importante da cidade de Alfena”

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

A população tem acompanhado este percurso e sabe, melhor do que ninguém, avaliá-lo. “Houve momentos de crise em que as pessoas notavam que a banda estava num momento menos positivo, mas agora sentem que a banda está a crescer”, acredita o padre que preside à instituição.

“Mesmo o Município, a Junta e outras entidades vão olhando para nós já com algum apreço pelo trabalho que tem sido feito e continuamos a empenhar-nos para as pessoas de Alfena terem orgulho na sua banda. É importante preservar este património, um património de 80 anos”, defende.

A festa será em Outubro. “80 anos são muitas gerações e temos o dever de respeitar os que criaram esta banda e que tinham como finalidade que progredisse no tempo. Independentemente de tudo, a par de outras associações de Alfena, a Banda é uma bandeira muito importante da cidade. Onde vamos actuar levamos Alfena às nossas costas”, afirma Manuel Barros.

 

*  Esta reportagem foi realizada antes do início da pandemia