“Adorei viver em Penafiel e tenho memórias muito felizes”

De certeza que a cara não lhe é estranha e que já o viu nas séries “Aqui não há quem viva”, “Bem-vindos a Beirais” e “Morangos com Açúcar” ou na telenovela “Louco Amor”, entre outros. Mas sabia que o actor Martinho Silva, de 36 anos, é natural de Penafiel?

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De certeza que a cara não lhe é estranha e que já o viu nas séries “Aqui não há quem viva”, “Bem-vindos a Beirais” e “Morangos com Açúcar” ou na telenovela “Louco Amor”, entre outros. Mas sabia que o actor Martinho Silva, de 36 anos, é natural de Penafiel?

Em entrevista ao VERDADEIRO OLHAR, na semana que foi homenageado pelo Teatro de Cristelo, é com carinho que fala das lembranças que guarda da cidade que o viu nascer e da vida rural que marcou a sua juventude. O amor pelo teatro levou-o a um curso de representação e depois aos palcos do Porto e de Lisboa. Nos últimos anos, mantém-se fiel ao teatro, mas é a televisão que o tem projectado a nível nacional. Actualmente, pode vê-lo no papel de Elias na nova série de humor da RTP, Nelo & Idália.

 

É natural de Penafiel onde viveu a juventude. Que lembranças guarda da cidade?

Adorei viver em Penafiel e tenho memórias muito felizes da “cidade de risca ao meio”. Vivi primeiro numa casinha muito simpática e acolhedora na Rampa do Hospital, onde tínhamos uma relação excelente com os vizinhos. As pessoas entreajudavam-se de uma forma muito natural e descomprometida. Nessa altura também explorávamos um pequeno terreno de cultivo e criávamos galinhas, coelhos, um ou dois porcos e chegámos a ter uma cabra. Recordo as manhãs em que íamos ao romper do dia para o campo, a erva orvalhada a terra quente que deitava fumo quando se escavava com a enxada ou a picola para plantar as batatas. Lembro-me do orgulho de quando pela primeira vez o meu pai me deixou sulfatar a vinha. Lembro-me das vindimas e de como o mosto do vinho no lagar dava comichão nas minhas pernas de alicate. Lembro-me de altura da poda e de fazer montes gigantes de ramos e folhas com os meus irmãos e habitá-los como se de casas se tratassem. Lembro-me que, nessa altura, ficava muitas vezes triste por não ir brincar com os meus amigos por causa de todas as tarefas rurais. Mas hoje guardo essas recordações na gaveta das memórias felizes e sei que fui um sortudo. Depois, mudámo-nos para a Av. Sacadura Cabral, onde os meus pais eram sacristãos na Igreja das Freiras e todos os filhos ajudavam nos variados serviços da igreja. Eu ajudava a limpar, fui acólito, fazia as leituras, aprendi a tocar órgão e acabei por fazer parte do grupo coral. Penafiel era uma aldeia grande onde se podia andar descansado na rua de bicicleta e os adultos conheciam toda a gente.

 

Foi ainda em Penafiel que se lançou no teatro amador. Como é que essa oportunidade surgiu?

Participei desde muito cedo nas peças de fim de ano da Perseverança (catequese) e divertia-me imenso nas peças da escola, ou a ler textos em voz alta na disciplina de Português. Um dia participei numa peça de teatro amador dirigida pelo carismático Fernando Soares e percebi imediatamente que era aquilo que eu queria fazer. O palco envolvia-me e dava guarida às minhas questões, à minha irreverência e à intensidade das minhas emoções de adolescente da altura.

 

Quando é que decidiu que o teatro seria a sua vida?

Quando soube que havia uma escola profissional de teatro no Porto e que podia concorrer a uma bolsa, comecei a fazer contas ao dinheiro que tinha amealhado nos trabalhos de férias e part-time e percebi que talvez fosse possível ingressar naquele curso sem sobrecarregar financeiramente os meus pais. E assim foi. Nem sei se disse aos meus pais que ia fazer a audição. Só me lembro de, semanas mais tarde, saber que tinha sido aceite e dizer aos meus pais com uma certeza que nunca tinha tido até então, que era aquilo que eu queria fazer. Sei que o curso foi também o pretexto para saciar o desejo enorme que eu tinha de sair para o mundo, de me pôr à prova e conquistar a minha independência.

 

Porquê o curso de Interpretação Teatral do Balletteatro Escola Profissional do Porto? Também já gostava de dança?

O mais interessante da formação da escola era sem dúvida a componente de formação física e a relação próxima que as turmas do curso de teatro e do curso de dança tinham. Partilhávamos disciplinas e eu como vinha todos os dias de comboio ou apanhava boleia de pessoas que trabalhavam Porto, acabava por estar mais cedo na escola e aproveitava para fazer algumas aulas de dança e “deitar um olho” às bailarinas (risos).

Como é que começou o seu percurso profissional no teatro?

Estava ainda no último ano do curso quando fui convidado a integrar o elenco de um trabalho que o Teatro de Marionetas apresentou num espectáculo organizado pelo Teatro o Bando, na Expo98 em Lisboa. Findo esse trabalho, regressei ao Porto, acabei o curso e fui fazer audições para um espectáculo no Teatro Nacional de S. João. Fui selecionado e iniciei uma série de experiências profissionais muito ricas e estimulantes.

 

Manteve-se no teatro durante os primeiros anos da sua carreira, mas foi a televisão que o tornou conhecido do grande público. Quando é que resolveu experimentar a televisão? Surgiu por acaso ou foi um passo que quis dar?

Foi exactamente numa digressão a Lisboa de um espectáculo produzido pelo TNSJ que a Maria Emília Correia me convidou para participar numa encenação dela e assim começou a minha lenta transição para território “Mouro” (risos). Em Lisboa, comecei a fazer pequenas participações em trabalhos televisivos. Até que fui a casting para a primeira temporada de Verão de uma série que eu nunca tinha visto até então e surpreendentemente fui escolhido. Foi um período muito giro nos “Morangos” e que teve uma visibilidade que eu não esperava.

 

Foi precisamente esse papel nos Morangos com Açúcar que o catapultou para a fama. Estava à espera disso? Foi fácil adaptar-se?

Sempre fui muito discreto e o que me movia não era o desejo de fama. Confesso que a princípio custou um bocado essa perda de anonimato, mas depois aprendi a lidar com o carinho das pessoas e a perceber que não posso “entrar” pela casa das pessoas adentro sem que elas acabem por criar (ou não) uma empatia com aquela personagem que depois confundem com o actor.

 

Já participou em várias séries e novelas e até num filme. O que prefere fazer, teatro ou televisão?

Tenho conseguido estar em palco com uma produção pelo menos uma vez por ano. O que no panorama teatral actual não é nada mau. A televisão tem-me tomado mais tempo. O ideal para mim seria o contrário mas, habituado à intermitência e irregularidade desta profissão, não me posso queixar de todo. Em relação ao cinema e no contexto actual, não tenho grandes expectativas.

 

Qual a personagem que mais gostou de fazer até hoje?

Gostei muito de interpretar uma personagem chamada “Molas” num musical encenado pelo saudoso António Feio que se chamava Sexta-Feira 13. Era uma personagem complexa e tinha uma performance muita intensa fisicamente, tinha coreografias de grupo, trabalho de andas, a determinada altura ficava suspenso pela cintura num arnês  a 10 metros do chão e como se não bastasse tinha de acompanhar uma banda, a cantar músicas dos Xutos e Pontapés! De resto tenho tido a possibilidade de ter vários desafios interessantes como actor.

 

Quando as pessoas passam por si na rua chamam-no pelo nome das suas personagens?

Actualmente, como ainda está no ar a série da RTP “Bem-vindos a Beirais” onde interpreto um médico de aldeia, as pessoas pedem-me consultas na rua em tom de brincadeira. Mas ainda se lembram do Rui do “Aqui não há quem viva”, o divertido Diamond Keys dos “Morangos com açúcar” ou o malvado Tomás do “Louco Amor”.

 

Se não fosse actor acha que seria o quê? 

Talvez marceneiro ou qualquer outro ofício que envolvesse a construção de coisas.

 

O que é que ainda quer fazer em termos de interpretação?

Adorava experimentar um papel de acção no cinema, com perseguições e cenas de luta. É um universo que sempre me fascinou. Quando era miúdo imaginava-me a ser duplo de acção em Hollywood.

 

Gostava de ter uma carreira internacional?

Não é algo que esteja nos meus planos.

Os espectadores podem vê-lo actualmente num novo projecto humorístico da RTP, o Nelo & Idália, com o Herman José e a Maria Rueff a protagonistas. Como surgiu a oportunidade de fazer o papel de Elias? Está a gostar da experiência?

No início de Agosto recebi uma chamada do Herman a convidar-me para este projecto. Na altura do telefonema, fiquei tão surpreso, que nem percebi que se tratava do Nelo & Idália. Disse imediatamente que sim. Acho que aceitaria de qualquer forma, nem que fosse para fazer figuração! Mas acabou por ser um papel divertidíssimo que me tem dado muito prazer interpretar.

 

“Fiquei muito honrado com esta inesperada distinção”

Acaba de receber o Prémio Nacional de Teatro Ruy de Carvalho, em Cristelo. Que sentimento levou desta homenagem? Entende-a como um reconhecimento ao seu trabalho?

Fiquei muito honrado com esta inesperada distinção. Mas confesso que o reconhecimento público do meu trabalho não é algo que procure. Há um lado muito egoísta nesta minha forma de estar na profissão que passa por, em primeiro lugar, gostar daquilo que faço. Se os outros também gostarem, melhor.

 

Trata-se de uma iniciativa organizada por um grupo de teatro amador. Que opinião guardou da organização? Acha que de amador só resta o nome?

Foi um prazer conviver com o grupo no dia seguinte, na conversa informal que tivemos. Depois, sabendo que o Fernando Soares [encenador] está envolvido no projecto, não haverá grande margem para amadorismos (risos).

 

Qual a importância que atribui ao teatro amador?

O teatro e as artes em geral deviam estar presentes desde a infância. Acredito que são indispensáveis na formação de mentes abertas, sensíveis e disponíveis. E o teatro amador pode e deve ser um instrumento disso. Para além disso, temos de dar valor a todos os que gostam tanto do teatro que aproveitam qualquer tempo livre para estar envolvidos nele. E há tantos e bons trabalhos amadores!