Verdadeiro Olhar

Voar com os pés na terra

Há decisões políticas que, mesmo partindo de boas intenções, merecem ser analisadas à luz do bom senso e da responsabilidade que deve pautar a gestão dos dinheiros públicos. A Câmara Municipal de Paços de Ferreira lançou recentemente um concurso público, com publicidade internacional, no valor de quase 750 mil euros, para financiar duas viagens: uma para alunos do 4.º ano do ensino básico ao Algarve e outra para 2.200 idosos visitarem, de avião, a Assembleia da República.

Apenas este último lote — uma viagem de ida e volta no mesmo dia, entre Porto e Lisboa, com almoço no Parlamento — representa um gasto público superior a meio milhão de euros. Não é, por isso, de estranhar que tal opção levante interrogações legítimas.

Ninguém discute o valor de proporcionar experiências marcantes a crianças e seniores. São faixas da população que merecem atenção, inclusão e cuidado. Mas a pergunta que se impõe é esta: num tempo em que se multiplicam os pedidos de apoio social, em que há carências reais e urgentes nos cuidados a idosos, na habitação, na saúde ou na mobilidade, é este o melhor uso que se pode dar a mais de meio milhão de euros?

A resposta da autarquia é clara: estas viagens fazem parte de uma visão política e de um programa eleitoral. E é verdade que a política implica escolhas. Mas justamente por isso, importa que essas escolhas sejam discutidas — e compreendidas — pela comunidade que as financia.

É essa, aliás, a função da imprensa: dar visibilidade, questionar, promover o debate público. Não se trata de apontar o dedo. Trata-se de perguntar se não haveria forma mais útil, mais duradoura ou mais estruturante de investir este montante em favor da qualidade de vida dos mesmos seniores a quem hoje se oferece uma viagem fugaz.

A boa política, como a boa gestão, deve ser capaz de voar… mas sempre com os pés bem assentes na terra.