
Pode soar estranho que um Papa escreva uma exortação apostólica sob a forma de uma declaração de amor, mas foi essa a escolha de Leão XIV para o seu primeiro texto solene. «Dilexi te», no original latino, ou «Eu te amei», na tradução portuguesa.
A inspiração vem de uma frase dirigida por Deus no livro do Apocalipse à comunidade de Filadélfia, que, apesar das suas poucas forças, se manteve fiel. Em virtude disso, promete-se-lhe que os falsos-importantes «virão prostrar-se aos teus pés e ficarão a saber que Eu te amei».
O propósito da exortação apostólica é sintonizar o nosso olhar com o de Deus, em vez de ligarmos às classificações humanas. Se Deus ama com predilecção um desvalido, corremos um sério risco se desprezamos os desvalidos.
O Papa retoma a parábola do rico opulento e do pobre Lázaro, relatada no capítulo 16 do Evangelho de S. Lucas, para ilustrar várias ideias importantes.
Tendemos a pensar que os pobres são os primeiros responsáveis pela sua miséria, e algumas vezes podem ter certa culpa. Contudo, nesta parábola, Jesus inverte essa perspectiva e, no diálogo com o rico, depois de morto, Deus explica-lhe «filho, lembra-te que recebestes os teus bens em vida, enquanto Lázaro recebeu somente males. Agora, ele é consolado, enquanto tu és atormentado». Jesus não completa esta história. Podemos até pensar que o pobre Lázaro, coberto de feridas, foi maltratado por bandidos, talvez num gesto heróico para salvar alguém. O certo é que Jesus não discute a origem da sua pobreza.
O elemento chamativo da parábola é que o rico não foi condenado por ter cometido injustiças contra o pobre. O rico, simplesmente, não reparou no pobre e essa distracção constituiu uma responsabilidade gravíssima!
Há várias parábolas em que Jesus fala dos nossos deveres (por exemplo, na parábola das virgens prudentes e das virgens néscias, ou na parábola dos talentos…), mas nesta parábola (e noutras, por exemplo, a do bom samaritano) ensina-nos a olhar para os pobres com o afecto com que Deus os ama, sem fazer um juízo que não nos compete.
O Papa recorda a este propósito que Jesus disse: «o vosso Pai que está no Céu faz com que o Sol se levante sobre os bons e os maus e faz cair a chuva sobre os justos e os pecadores».
É difícil lidar com a pobreza, que se apresenta sob múltiplas formas de necessidade, e podemos ter a impressão de que a imensidão do problema nos ultrapassa. Escreve o Papa:
— «A condição dos pobres representa um grito que, na história da humanidade, interpela a nossa vida, as nossas sociedades, os sistemas políticos e económicos e, sobretudo, a Igreja. No rosto ferido dos pobres encontramos impresso o sofrimento dos inocentes e, portanto, o próprio sofrimento de Cristo».
O campo imenso da pobreza («das pobrezas», nas suas variadas formas) é um desafio inesgotável à iniciativa.
Quando uma mulher derramou sobre a cabeça de Jesus uma fragância caríssima, num frasco talhado em alabastro, alguns discípulos protestaram. O Papa cita o Evangelho «“Para quê este desperdício” — diziam eles — “Podia vender-se por bom preço e dar-se o dinheiro aos pobres”. Mas o Senhor disse-lhes: “Pobres, sempre os tereis convosco; mas a Mim nem sempre me tereis”. Aquela mulher — continua o Papa — tinha compreendido que Jesus era o Messias humilde e sofredor sobre quem derramar o seu amor. (…) Jesus compreende isso e confirma a sua perenidade: “Em qualquer parte do mundo onde este Evangelho for anunciado, há-de também narrar-se em sua memória o que ela acaba de fazer”».
«A simplicidade daquele gesto revela algo grandioso», comenta o Papa.
Ao identificar-se com os pobres, Jesus deixa-nos uma mensagem muito forte que o Papa sintetiza:
— «O amor cristão supera todas barreiras, aproxima os que estão distantes, une os estranhos, torna familiares os inimigos, atravessa abismos humanamente insuperáveis, entra nos meandros mais recônditos da sociedade».










































