Foto: Márcia Pimparel Vara

Não lê poesia, mas gosta de ouvi-la. E agora percebemos que também gosta de escrevê-la. É assim que Rui Guedes, autor do livro “O rufo do tambor que levamos no peito”, começa por falar do seu primogénito nesta forma de expressão artística e literária, porque no escaparate já tem outras obras em prosa.

Nascido em Paredes, no dia 24 de julho de 1974, é bibliotecário, licenciado em Ciência da Informação, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, e autor de livros que vão da escrita infantil aos contos e crónicas para adultos, para além de ser coautor de trabalhos na área das bibliotecas itinerantes e na perpetuação das narrativas da tradição oral. Profissionalmente, é técnico superior na Biblioteca Municipal de Penafiel.

Rui Guedes já percorreu o mundo ou parte dele. Cresceu com a perspetiva de ser independente. Viveu nos Açores e começou esta aventura da escrita de uma “forma inusitada”, como descreveu ao VERDADEIRO OLHAR. Aliás, iniciou-se neste enredo dos livros a semear escritos nas redes sociais aos quais “as pessoas achavam piada” e partilhavam esse sentimento com o autor. Escrevia “factos de vida”, com ficção à mistura.

Um problema de saúde levou-a a ficar em casa quatro meses e foi dessa reclusão que nasceu um conto – “Ri o Joaquim com cócegas assim”, com ilustração de José Nunes, e que “teve uma boa aceitação”. Estávamos em 2016. Em 2017 saiu a segunda edição. Neste primeiro livro aborda a exclusão e o bullyng. A ação decorre em ambiente escolar e fala-nos dum menino ‘diferente’ que é marginalizado pelos colegas.

E porque a escrita é talvez um dos lugares onde nos podemos encontrar, Rui Guedes insistiu e, um ano depois, apresentou-se “Ao fundo da minha rua… 3 contos”, onde relata “situações de infância”, da sua, onde hoje reconhece que foi feliz.

Nesta obra “quis dar nomes às pessoas” que com ele se cruzaram, pretendeu “fazer-lhes uma homenagem”, porque achou que “deveria falar delas”, confessou ao VERDADEIRO OLHAR.

Destinado ao público mais pequeno, este segundo trabalho literário passou-se na vida de Rui, mas poderia passar-se na nossa, porque todos tivemos uma infância onde pulamos muros ou nos escondemos atrás da árvore do nosso quintal ou do balcão da drogaria. A ilustração desta obra coube à pintora portuense Sameiro Sequeira que se inspirou “nas ruas e ruelas da sua cidade e toda a paisagem que nela se observa: casas tortas, escadarias intermináveis, gatos, espinhas de peixe e roupa estendida ao luar”, como se lê na sinopse.

Escrever é um ato que tem que dar prazer e ter um sentido. Rui não escreve por escrever

Voltemos lá atrás, quando Rui começou a escrever textos e a publicá-los nas redes sociais. Não era uma obrigação, saiam-lhe, porque como afirmou ao longo da entrevista, não é “um pau mandado da escrita”, porque este é um ato que tem que lhe dar prazer e ter um sentido. Não escreve por escrever, sublinhou.

Tudo aquilo que lhe saia das teclas do computador gravava em word. “Um dia, juntei todos os ficheiros, resultando em cerca de 170 páginas”. Leu-os, e “com alguma distância” fez a correção daquilo a que chamou de “pequenos erros comuns” que, e com o tempo em cima, era necessário retificar. Movido, quem sabe, pelo entusiasmo e opiniões favoráveis que recebia, foi “no embalo e falou com a editora Traço Contínuo” que não hesitou na publicação. Mas a pandemia suspendeu o mundo e também o livro de contos e crónicas que, pouco tempo depois, acabou mesmo por sair da gaveta. Mas ainda nos resquícios de um vírus que assolou o mundo, a obra acabou por “não ter o élan das outras” ou que deveria ter tido.

Rui é um contra correntes no mundo dos escritores. Quando publicava nas redes sociais, contextualizava algo do tempo ou do mundo. “Eram coisas que criava na cabeça” e saiam-lhe.

Em 2022, apresentou-se com “Homens Livro”, com Bento Ramires e Carlos Marta. Quem folheia este trabalho viaja no tempo, até às Bibliotecas Itinerantes Gulbenkian que, implementadas na segunda metade do século anterior, alteraram significativamente o panorama cultural de um Portugal obscuro e ensimesmado, oferecendo às populações o acesso ao conhecimento por via dos livros e da leitura. Quem não se perdeu nos escaparates das carrinhas que viajavam de terra em terra para levarem mundos aqueles mundos recônditos!?

Esta obra, a par com “Bendito e Louvado Conto Contado”, que reúne contos populares portugueses, escritos por 14 prestigiados narradores nacionais e onde se inclui Rui Guedes, estão integrados no Plano Nacional de Leitura.

Não há nada mais compensador do que “escrever o que toda a gente percebe”.

Quem conversa com Rui Guedes percebe-o, assim como percebe os seus livros que não se alinham com palavras rebuscadas. Quando os escritores largam as grandes palavras tornam-se ainda maiores e é esse o orgulho que este autor de Paredes tem nas suas obras. Aliás, deu aulas a alunos de escolas profissionais que, no fim, conseguiram perceber o sentido dos seus escritos. E para um autor, não há nada mais compensador do que “escrever o que toda a gente percebe”.

Rui Guedes é um homem feliz, uma felicidade que deve também a quem está do seu lado, a Carolina, que o faz acreditar no amor. A namorada empurra-o para “o universo da escrita, como fez questão de contar ao VERDADEIRO OLHAR.

Escrever não pode ser um ato penoso ou doloroso

Hoje percebe que “o trabalho não se esgota quando o livro é publicado”, porque há que “entende-lo para além do que o autor escreveu”. Pode parecer redundante, mas essa será a missão de quem recebe as obras, as folheia e mergulha nelas. Mas, para que isso aconteça, o escritor “tem que ter disponibilidade e sentar-se à frente de um computador e este ato não pode ser penoso ou doloroso”, confessou.

Capa do livro “O rufo do tambor que levamos no peito”

Rui prepara-se para apresentar “O rufo do tambor que levamos no peito”, a tal obra de poesia e onde as palavras nos fazem mergulhar “num lirismo sensível e imagético, onde os elementos da natureza dialogam com memórias afetivas e o passar do tempo” Este é um trabalho que tem “uma linguagem delicada e visceral”, onde se constroem  “pontes entre o íntimo e o universal, revelando a poesia escondida nos gestos quotidianos e nos ciclos da vida, atribuindo-lhe uma carga emocional latente, intensa e nostálgica”.

E nestas páginas também Tomás Guedes, o filho de Rui, que tem 19 anos, se estreia como ilustrador e utiliza os lápis que edificam “desenhos delicados e expressivos” que “dialogam com os versos, ampliando o universo sensível da obra com traços distintivos e poéticos”, diz a sinopse.

Esta obra tem a particularidade de ter saído de um período mais triste da vida do autor. A mãe teve um problema de saúde grave e Rui foi-se abaixo. Mas a força da Carolina, trasvestida de amor, deu-lhe forças e incentivou-a a voltar à escrita e aí conseguiu rufar os tambores.

Rui, que se recusa a “andar com blocos atrás”, tal como fazem a maioria dos escritores, anseia que “as pessoas se divirtam tanto a ler este livro” como ele se divertiu a escrevê-lo. Porque esta obra, que já está disponível em pré-venda, “nunca foi um ato de sofrimento”. Nem as outras que publicou.

O Rufo do Tambor que levamos ao peito vai ser apresentado dia 20 de junho, sexta-feira, a partir as 21h00, na Biblioteca Municipal de Penafiel

Rui Guedes vai apresentar este trabalho e todos devemos ir, porque este escritor não se está nas tintas para os leitores, porque quer “que se divirtam e que sejam felizes”.

E quem ousar “ouvir” o Rufo do Tambor, no dia 20 de junho, sexta-feira, a partir das 21h00, na Biblioteca Municipal de Penafiel, tem que ir preparado, porque não vai ser algo rápido, tal como não foi esta entrevista. É que Rui faz-nos mergulhar nas sua palavras e nas suas histórias e entramos num sítio onde parece que não mais queremos sair.

E para além disso, todos temos que anuir que os livros nada mais são do que casas que transportamos de um lado para o outro e que pousamos, onde nos apeteça estar. E no dia 20, vamos querer estar ali, na Biblioteca de Penafiel.

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