Verdadeiro Olhar

Reclusos construíram novas oficinas do Estabelecimento Prisional do Vale do Sousa

As novas oficinas do Estabelecimento Prisional do Vale do Sousa (EPVS), em Paços de Ferreira, onde há espaços dedicados à serralharia, marcenaria, electricidade, sector de obras, sapataria, artesanato diverso, reparação de máquinas, estufa de pintura, lavandaria e sala de formação polivalente, foram construídas de raiz com mão-de-obra prisional. O investimento, de 360 mil euros, a expensas do Estado e da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), foi inaugurado, esta terça-feira, pela Ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, que salientou a importância destes espaços de trabalho e formação para a reinserção dos presos na vida activa.

“O Estado tem o dever de punir, mas tem também o dever de ressocializar. Este é um exemplo notável do que está a ser feito no sistema prisional no sentido da dotação dos reclusos de competências quer no plano moral e ético, que no plano pessoal, profissional e da escolaridade. Senti um grande orgulho quando percebi que este Estabelecimento tem 61% das pessoas ocupadas. Não prendemos pessoas para as ter ‘acantonadas’ em espaços fechados a estupidificar. A nossa função é ajuda-las a reencontrar um novo caminho para a vida”, defendeu a governante.

“Aquilo que procuramos fazer desde o início foi capacitar o sistema do ponto de vista dos recursos humanos, quer da guarda prisional quer das pessoas que trabalham na reinserção, que têm a função de fazer com que quem aqui entra saia diferente e que possa recomeçar a vida noutros moldes”, explicou ainda Francisca Van Dunem, realçando a preocupação que tem havido com estas “zonas económicas prisionais”. “É preciso pegar nelas e reabilitá-las e pensar nelas numa perspectiva de futuro. Não é só dar trabalho às pessoas e não é só dar educação, mas dar trabalho e educação como ferramentas para um caminho, para que depois da libertação encontrem um trabalho”, argumentou.

204 reclusos frequentaram aulas e 52 formação profissional

No dia em que o EPVS assinalava 10 anos de existência, foram ainda apresentados os números no que toca ao ensino, formação profissional e emprego dos reclusos.

Segundo os dados apresentados, 60% da população prisional tem escolaridade inferior ao 9.º ano, sendo que 38% dos que dão entrada nos estabelecimentos prisionais não têm profissão identificada. Com a colaboração de entidades externas, incluindo 21 professores da Escola Secundária de Paços de Ferreira e o Centro de Formação Profissional do Sector da Justiça, entre outros, o EPVS tinha, no ano lectivo que terminou, 204 reclusos a frequentar aulas distribuídos por vários níveis de ensino, do básico ao superior. Já a formação profissional foi frequentada por 52 presos, numa taxa de cobertura de 46%, acima da média nacional que é de 34,7%.

No que toca a emprego, no 2.º trimestre de 2019, eram 236 os reclusos deste estabelecimento prisional a trabalhar, correspondendo a uma taxa de ocupação de 61%, quase 20% acima da média nacional. 70 destes reclusos estavam associados a entidades externas (empresas privadas, uma associação e uma junta de freguesia). A nível nacional, em 2018, foram 5.898 os presos que trabalharam, estando 1.630 ligados a entidades externas.

Neste sentido, foi também assinado um protocolo entre a DGRSP e a Tecnidelta, para o funcionamento de uma oficina de reparação de máquinas de café, onde trabalharão reclusos remunerados. É o 11.º a funcionar em cadeias portuguesas. A empresa fornece os equipamentos a reparar e a matéria-prima, sendo o trabalho de reparação efectuado com mão-de-obra prisional. O objectivo é promover a dignificação, humanização e reinserção social dos reclusos.

Protocolo permite adquirir mais competências

“O fundamento de punir é o dever de reinserir. Este protocolo permite a aquisição de competências para os reclusos que poderão ter um instrumento de trabalho quando regressarem à liberdade e uma remuneração condigna pelo trabalho que fazem”, defendeu Rómulo Mateus, da DGRSP. Já Luís Campos, da Delta Cafés, afirmou que este serviço traz “flexibilidade e competitividade” à empresa. “Têm sido feitos aqui serviços em tempo recorde com elevados níveis de qualidade e estamos a contribuir para dotar os reclusos de competências”, disse.

No mesmo dia, foi destacada a entrada em funcionamento do novo sistema de CCTV, com 147 câmaras, instalado em 2018, também privilegiando o recurso a meios próprios do sistema prisional.

Presente na sessão, o presidente da Câmara Municipal de Paços de Ferreira, felicitou o estabelecimento prisional e garantiu que existe uma boa relação com a comunidade. Essa relação pode ser aprofundada, mas com outras condições, defendeu. “Os contratos de emprego-inserção do Instituto de Emprego e Formação Profissional garantem-nos outras condições que a contratação de reclusos não garante. Aqui teríamos que pagar os salários por inteiro enquanto que no IEFP apenas suportamos uma parte. Essa é uma matéria que merece ser revista e nós autarquias estaremos disponíveis para acolher reclusos que se queiram reinserir na comunidade”, referiu Humberto Brito, lembrando que no concelho há falta de mão-de-obra.

Reclusos gostam de trabalhar e de se preparar para a liberdade

Dentro das paredes e muros da cadeia, os presos consideram a oportunidade de trabalhar como uma benesse.

Marco Teixeira, de 40 anos, trabalhou nas obras das oficinas. “Nos últimos tempos vendia pão pelas portas, mas a minha área foi sempre a construção civil”, explica o natural de Felgueiras, preso há cerca de três anos.

Trabalhar é uma forma de se ocupar e de distrair a cabeça. “O tempo passa muito mais rápido, se me deixassem trabalhava de noite e de dia. A gente quando está a trabalhar não está com a cabeça lá fora, nos filhos e na mulher”, resume.

Rui Ascensão e Marco Teixeira

Neste Estabelecimento Prisional faz pinturas, arranjos e manutenção. Participou também na construção de raiz das oficinas.

Preso há quatro anos, e neste EP há três, Rui Ascensão, de 39 anos, concorda com esta visão. “Na parte das oficinas estou na serralharia. Já dava uns toques e fui aprendendo com quem cá estava. Na rua era motorista, mas fazia alguma coisa de construção civil e já tinha tido outros trabalhos”, conta o natural de Viseu.

“Se for o caso levo muitas luzes para quando for lá para fora. Se não tenho sempre a carta e agarro-me ao volante. A preocupação imediata quando puser um pé daqui para fora é arranjar trabalho”, garante. Faltam-lhe três anos de pena para cumprir.

“A grande vantagem de estar da parte fora das alas é distrair. Trabalhamos cerca de seis a sete horas por dia, menos ao fim-de-semana. O sábado e o domingo são os priores dias. Trabalhar também ao fim-de-semana ajudava, com um dia ou outro livre. Era preferível, sobretudo nos fins-de-semana em que não há visitas”, sustenta.