É razoável que o mundo procure travar o expansionismo russo, impedir a aniquilação do povo palestino e resolver todos os outros focos de violência, porque abandonar as vítimas é convidar o agressor a ir mais longe. Mas não vale a pena ter ilusões, aproxima-se uma catástrofe como nunca vimos.
Este tempo lembra os últimos anos de S. Pio X, marcados pelo avizinhar-se do «guerrone», como ele dizia, uma guerra descomunal. O corpo diplomático não via sinais de preocupação, os profissionais da política pareciam gerir as tensões, mas o Papa queixava-se amargamente dos ódios e das ambições que se acumulavam. Vai ser terrível, vai ser um «guerrone» assustador… Escreveu mensagens ao povo cristão, pediu orações, exortou à paz… mas a aproximação do «guerrone» tenebroso fazia-o sofrer. «Daria a vida para evitar a morte de tantos filhos meus!» Deus levou-o no dia 20 de Agosto de 1914.
Pio X conhecia os limites da capacidade humana. Poucos dias antes de morrer, avisou os Cardeais, reunidos em consistório: «Há homens insignes, pela sua experiência e autoridade, que tomam a sério a causa dos Estados e de toda a sociedade humana, que elaboram planos para impedir o estalar dos conflitos e a destruição bélica (…). Certamente um óptimo propósito, mas pouco fecundo em resultados sem o esforço para que a justiça e a caridade deitem raízes profundas na alma humana».
O Papa Francisco, que apelou à paz em todos os encontros deste ano, conheceu na semana passada, numa audiência geral, um israelita e um palestiniano em quem «a justiça e a caridade deitaram raízes profundas», para usar a expressão de Pio X. Em 1997, o israelita Rami Elhanan perdeu a filha num atentado palestiniano suicida e, em 2007, a filha do palestino Bassam Aramin foi morta à saída da escola por um polícia israelita.
À saída da audiência, os dois foram entrevistados pela agência de notícias I.Media.
Rami Elhanan : Estivemos com o Papa antes da audiência geral. Foi o momento mais extraordinário e mais comovente das nossas vidas. Tenho 74 e nunca assisti a algo semelhante. (…) Mostrámos-lhe as fotografias das nossas filhas, ele quase chorava (…).
Bassam Aramin : Os apelos do Papa são muito importantes, muito corajosos. (…) está a acontecer um genocídio, um massacre. (…).
Rami Elhanan : O Papa tem influência, é um pai para milhões e milhões que o seguem (…) e é preciso que haja uma voz para dizer que as atrocidades que se estão a passar em Gaza e no Médio Oriente em geral têm de parar, não levam a parte nenhuma. A violência só traz mais violência. Lembremo-nos de que os combatentes do Hamas que participaram no massacre de 7 de Outubro eram crianças de 10 e 12 anos em 2014, quando os israelitas atacaram Gaza. Quando é que vai haver um novo 7 de Outubro? Que será das famílias das 40 mil pessoas que foram mortas? É preciso alguém que diga «parem!» (…).
Bassam Aramin : (…) Estamos a tentar mostrar às pessoas que a paz é o bom caminho. (…) Como o Rami dizia, acumula-se raiva e desejo de vingança que pode originar um novo 7 de Outubro (…). A nossa amizade é mais importante que nunca, sobretudo no meio desta loucura.
Rami Elhanan : Conhecemo-nos em 2005. Na altura, o meu filho mais velho, que é hoje professor na Universidade de New York, era soldado no exército israelita e tornou-se «refuznik», porque não aceitava prestar serviço nos territórios ocupados. Com outros israelitas e palestinianos, criou o movimento dos «Combatentes pela paz». Bassan estava lá e eu fui ver aquele milagre de antigos criminosos de guerra israelitas e antigos terroristas palestinianos a encontrarem-se e a fazer as pazes. Foi lá que nos conhecemos. (…) As nossas famílias ficaram muito amigas. (…) Em 2007, quando um polícia israelita abateu a sua filha, a minha mulher e eu fomos imediatamente ao hospital e ficámos dois dias à cabeceira dela. Quando ela morreu, tive a sensação de perder a minha filha pela segunda vez. Isto criou uma aliança (…). Compreendemo-nos um ao outro, não precisamos de palavras, olhamo-nos nos olhos e sentimos a dor um do outro. (…) A amizade é o elo mais forte que pode haver entre dois seres humanos.
Bassam Amarin : (…) Podemos ser amigos uns dos outros, irmãos, verdadeiros colegas pela paz, podemos viver em paz…