
As autárquicas continuam a ser o exercício mais genuíno da democracia: nelas, o partido vale cada vez menos e o rosto, a reputação e o trabalho de quem se apresenta valem cada vez mais.
E isso ficou patente, de forma inequívoca, nesta região. Concelhos sociologicamente muito diferentes votaram de forma distinta da tendência nacional e até em sentido oposto ao que tinham feito nas legislativas de maio.
Comecemos por Lousada, talvez o exemplo mais expressivo. Há apenas cinco meses, o PSD venceu ali de forma clara nas legislativas. No domingo, foi o PS a conquistar uma maioria sólida, com 52,7% dos votos, mais do dobro da percentagem que o partido obtivera em maio.
Nelson Oliveira sucede a Pedro Machado e garante a continuidade socialista. Leonel Vieira, na sua quarta tentativa, recupera um vereador e tinha, desta vez, o apoio e a presença de Luís Montenegro na reta final da campanha. Mas, mesmo assim, ficou longe de ameaçar a maioria absoluta.
E a verdade é que o resultado não surpreende quem olha de fora para o concelho: Lousada é hoje um município organizado, com contas equilibradas, água e saneamento, limpeza, tarifas de serviços básicos acessíveis e sem sobressaltos mediáticos. O eleitorado tende a preservar o que funciona. A derrota de Leonel Vieira não é tanto um demérito seu, mas antes o reconhecimento do mérito de quem tem governado o concelho.
Em Paços de Ferreira, a história repete-se. O PSD nacional depositou grande expectativa neste concelho e ficou, afinal, pelos mesmos 33% de 2021, longe de retirar a maioria absoluta ao PS.
Aqui, mais uma vez, ficou provado que as pessoas contam mais do que o partido. Em maio, o PSD teve uma das maiores vitórias do distrito e o PS foi relegado para terceiro lugar, atrás do Chega.
Alexandre Costa acreditou que a saída de Humberto de Brito fragilizaria o PS e que Paulo Ferreira não resistiria à comparação com o antigo presidente. Embalado pelo resultado nacional, apostou num discurso de futuro, de investimento e desenvolvimento económico. Mas os eleitores valorizaram o presente: refeições escolares gratuitas, creches em todas as freguesias, água barata. O agora pesou mais do que o amanhã. E foi o agora que decidiu.
Em Paredes, viveu-se a campanha mais dura, tensa e ruidosa da região. Nas legislativas, o PSD tinha vencido com folga, relegando o PS para um modesto terceiro lugar. No domingo, Alexandre Almeida voltou a conquistar a maioria absoluta e garantiu o seu terceiro e último mandato.
O início da campanha de Mário Rocha foi promissor e agregador. Mas, à medida que a mensagem passou do positivo para o negativo, e os ataques pessoais substituíram as propostas, a candidatura entrou em declínio.
A campanha ficou marcada por tentativas de desinformação, páginas falsas nas redes sociais disfarçadas de jornais e manipulações de layouts de publicações nacionais. E, em muitos momentos, por um tom insultuoso que nada dignifica a política local.
A estratégia de comunicação de Mário Rocha foi, no mínimo, desastrosa e o comunicado divulgado na noite eleitoral foi a prova disso. Quem o conhece sabe que Mário Rocha não é o retrato que comunicaram em seu nome. Infelizmente, quem o representou nessa área prestou-lhe um mau serviço.
Penafiel foi o resultado menos surpreendente. A coligação PSD/CDS perdeu cerca de 7,5% dos votos, mas manteve a maioria absoluta. As polémicas em torno do presidente cessante poderiam ter abalado o eleitorado, mas o PS não capitalizou essa quebra. O resultado manteve-se estável e Pedro Cepeda sucede a Antonino de Sousa, assegurando a continuidade do projeto.
Em Valongo, o desfecho foi o mais equilibrado. O PS manteve-se à frente, mas apenas por 3,4%, perdendo a maioria absoluta: quatro vereadores contra cinco da oposição (quatro do PSD/CDS e um do Chega, o único eleito do partido na região).
Hélio Rebelo não venceu, mas foi o candidato social-democrata com o maior crescimento e a menor diferença percentual em todo o distrito. Valongo provou que o equilíbrio é possível e que o poder absoluto já não é inevitável.
No conjunto, estas eleições mostraram um sinal de maturidade democrática. Os eleitores votaram em pessoas, não em cores. Julgaram o que viram, não o que lhes disseram. Valorizaram a proximidade, o trabalho e a forma de estar na política.
E talvez por isso se possa dizer que, entre todas as eleições realizadas nos últimos anos, foram estas as que mais envolveram as pessoas, as que mais se viveram na rua e nas freguesias.
Porque a democracia também se faz assim: no olhar direto, na conversa à porta, na decisão que nasce do contacto e da confiança.