
No final de cada ano há um ritual quase obrigatório: balanços, listas do que correu bem e mal, resoluções para um futuro que, invariavelmente, começa em janeiro cheio de intenções e esbarra em fevereiro com a realidade. É humano. É legítimo. E até reconfortante.
Mas, neste último editorial de 2025, confesso que não me apetece alinhar nesse exercício. Prefiro falar de algo mais incómodo. Menos popular. E, talvez por isso mesmo, mais urgente: o estado preocupante a que chegou a comunicação social.
Vivemos no tempo da caça ao like. Da partilha fácil. Do clique rápido. Como se a credibilidade do jornalismo pudesse ser medida por um contador digital e não pela qualidade do trabalho feito, pela veracidade dos factos, pelo contexto, pelo rigor. Como se a verdade tivesse passado a ser um detalhe secundário, útil apenas se ajudar a empurrar a notícia para mais um feed.
Assistimos, com uma naturalidade inquietante, a jornais nacionais a publicarem títulos sensacionalistas baseados num único pormenor, convenientemente isolado, quando a realidade pouco ou nada tem a ver com aquilo que o leitor é levado a acreditar. Jornais locais e regionais que deixaram de olhar para o seu território, para as suas comunidades, para as histórias de quem lá vive, para passarem a replicar crimes e tragédias de todo o país, porque tiros e facadas dão cliques, mesmo que não tenham qualquer ligação à região.
Vemos títulos de desgraça cuidadosamente vagos, sem lugar, sem contexto, sem tempo. Clica-se para descobrir que afinal aconteceu há semanas, ou meses, num país distante, sem qualquer relevância para quem lê. Mas o clique já lá ficou. Missão cumprida.
Vemos ainda a deturpação de factos, como aconteceu recentemente com um ministro, em que a realidade foi moldada até caber num título conveniente. Ou notícias transformadas em julgamentos morais, onde se resgata um episódio irrelevante da vida de alguém, um alegado “roubo” de dez euros, há dez ou quinze anos, pelo namorado de alguém que nem sequer era, à data, quem hoje é, apenas para colar suspeição a uma figura pública que nada teve a ver com esse episódio. Isto não é escrutínio. É exploração.
O problema não é denunciar. O jornalismo existe para denunciar. Mas também existe para explicar, contextualizar, completar a história. Falta contar as histórias das pessoas. Falta ir além da espuma dos dias. Falta objetividade. Falta tempo. Falta coragem para não alinhar na corrente.
Falta, sobretudo, jornalismo isento. Mesmo quando quem escreve não gosta do protagonista. Denunciar quando há razões para denunciar, sim. Mas também elogiar quando há mérito. Porque a credibilidade constrói-se assim: com equilíbrio, com honestidade intelectual, com respeito pelo leitor.
Uma má imprensa não é apenas um problema para os jornalistas. É um problema para a sociedade. Gera desinformação, promove a iliteracia mediática, afasta as pessoas da realidade e cria um terreno fértil para os extremos, sempre prontos a capitalizar a ideia de que “está tudo mal”, de que “ninguém presta”, de que “não há solução”.
Vale a pena dizê-lo com clareza: quando o jornalismo abdica do rigor para ganhar cliques, perde-se muito mais do que leitores. Perde-se confiança. E sem confiança, não há imprensa livre que resista.
Talvez esta não seja uma resolução de Ano Novo muito popular. Não promete felicidade instantânea nem receitas milagrosas. Mas é uma reflexão necessária. Porque o futuro não se constrói apenas com likes. Constrói-se com verdade.
Um bom ano!











































