Uma das memórias que guardo com carinho da infância é a das viagens de comboio com o meu pai, de Parada de Todeia até ao Porto. Primeiro, porque, para mim, ir ao Porto de comboio era quase como viajar. Depois, porque quando o comboio parava em Valongo, havia sempre um pequeno espetáculo a acontecer: vendedoras de regueifas aproximavam-se das janelas com os braços cheios de regueifas enfiadas neles como se fossem braceletes de pão. Serviam os passageiros apressadamente, numa azáfama deliciosa, antes que o apito do comboio mandasse tudo de volta ao lugar. Num instante breve em que o comboio parava, entrava a regueifa, saía o dinheiro… e às vezes lá ficava o troco perdido na pressa.
Há uns tempos, ofereci uma lata de biscoitos de uma das fábricas de Valongo a um bom amigo, já com alguma idade, que vive no centro do Porto. Sorriu com ternura e contou-me que, quando era menino, via as senhoras que saíam da estação de São Bento, com canastras à cabeça, e subiam a Rua 31 de Janeiro a apregoar bem alto: “Biscoitos de Valongo!”. Dizia ele que aquelas senhoras davam cor e cheiro à cidade, com a voz carregada de orgulho por serem de Valongo.
Vem isto a propósito da Feira da Regueifa e do Biscoito, que arranca este fim de semana em Valongo. Uma feira que junta padeiros e biscoiteiros do concelho com um propósito simples e bonito: manter viva a tradição do pão e dos biscoitos, ao mesmo tempo que promove e estimula o seu valor económico e cultural.
Durante demasiado tempo, Valongo foi visto como uma cidade-dormitório do Porto, um lugar de passagem, sem nome feito. A verdade é que esta identidade — que tem cheiro a forno quente e sabor a tradição — andava esquecida. E a Feira da Regueifa e do Biscoito veio devolver-lhe o lugar que merece.
É claro que se pode — e deve — pensar em formas de tornar esta feira mais dinâmica, mais atrativa, mais participada. Mas a verdade é que, até ela acontecer, não havia nada. E isso, por si só, já é motivo para celebrar.
Por isso, se puder, este fim de semana vá a Valongo. Compre uma regueifa e traga uns biscoitos. Pode ser que nos cruzemos por lá.