Verdadeiro Olhar

Depois das Legislativas, as notas que se impõem

Esta semana, olhamos para os resultados das eleições legislativas com a atenção que merecem – e que exigem. Nesta edição, analisamos concelho a concelho o comportamento do eleitorado e traçamos uma leitura dos resultados a nível regional. Há, no entanto, algumas notas que importa destacar, porque ajudam a contextualizar o que aconteceu e o que poderá ainda vir a acontecer.

1.       A grande derrota do PS e o crescimento do Chega

É por demais evidente: o grande derrotado destas legislativas, na região e no país, foi o Partido Socialista. E não deixa de ser simbólico – ou talvez revelador – que as maiores quedas tenham ocorrido exatamente onde o partido apresentava candidatos em lugares elegíveis, como foi o caso de Paredes e Paços de Ferreira. Nem a notoriedade local, nem a estrutura partidária foram suficientes para conter a vaga de descontentamento.

Por contraste, o Chega foi, tal como no resto do país, o partido que mais cresceu. Ganhou expressão em todos os concelhos da região, foi a segunda força política em Paredes e Paços de Ferreira e ficou a escassos votos do PS em Valongo e Lousada. É um dado novo que não pode ser ignorado.

2.       Nem tudo é mérito próprio

Basta passar os olhos pelas redes sociais para encontrar figuras políticas locais a tentar capitalizar resultados que pouco ou nada tiveram que ver com o seu trabalho. Tomemos Paredes como exemplo: em 2024, o PSD estava praticamente inativo, com uma liderança fragilizada, sem dinâmica nem capacidade de mobilização. Ainda assim, a AD teve um resultado acima da média distrital, o PS ficou abaixo e o Chega acima da média.

Tentar transformar este resultado num feito partidário local é, no mínimo, um exercício forçado. Os votos vieram de dinâmicas nacionais — e isso, a bem da lucidez política, deve ser reconhecido.

3.       Autárquicas são outro campeonato

Retirar daqui ilações diretas para as autárquicas é um exercício de imaginação. As eleições locais são muito diferentes: vota-se mais nas pessoas do que nos partidos. Os candidatos são conhecidos, são próximos, fazem parte da comunidade. E todos conhecemos exemplos de concelhos onde, ano após ano, se vota PS ou PSD nas legislativas… mas nas autárquicas o voto vai para o adversário.

A explicação é simples: as pessoas distinguem entre os que estão longe e os que estão perto. E, em política, a proximidade continua a fazer a diferença.

4.       O tabuleiro das autárquicas vai mudar

Mesmo assim, não há como ignorar que as próximas eleições autárquicas serão diferentes. Até agora, os resultados na região eram praticamente bipartidários. Quem tivesse mais um voto, ganhava – e geralmente com maioria. Mas isso vai mudar.

Com o Chega a afirmar-se como segunda maior força política nacional, será natural que queira afirmar-se também no poder local. Irá procurar candidatos com maior notoriedade pública, e a verdade é que, desta vez, encontrará mais gente disponível para aceitar esse desafio. Essa simples variável, por si só, altera o equilíbrio das próximas eleições autárquicas. E impõe outro tipo de preparação e estratégia a quem está habituado a vencer por inércia ou tradição.

5.       Democracia: entre liberdade e responsabilidade

A democracia é isto mesmo: a liberdade de escolhermos, de votarmos em quem quisermos, de mudarmos o rumo quando assim o entendemos. Mas as escolhas dos eleitores são cada vez mais condicionadas: pelo ruído mediático, pela má imprensa, pela desinformação, pela manipulação emocional, pela demagogia fácil.

Há candidatos que alimentam o descontentamento em vez de o resolverem, que oferecem culpados em vez de soluções. Isso também é um risco – não tanto para os partidos, mas para a qualidade da nossa democracia.

E oxalá não estejamos, em nome da revolta ou do protesto, a construir um futuro com menos pontes, menos diálogo e mais muros.