Verdadeiro Olhar

Uma cultura feita do que sobra das escolhas

Há vários estudos que indicam que os portugueses consomem poucos produtos culturais. Por exemplo, em Portugal editam-se dezenas de milhares de livros por ano, tantos que equivaleria a dizer que cada português compra um livro por ano. No entanto, se retirarmos dessa contabilização os manuais escolares e os livros técnicos, chegamos à triste conclusão de que apenas 15 em cada 100 leram um livro no último ano. No caso do cinema, os números não são muito diferentes: apenas 29 em cada 100 portugueses foram ao cinema no último ano. Se falarmos em teatro, dança, visitas a museus e a monumentos, os números são desastrosos. Onde somos mesmo recordistas é a ver televisão e nas redes sociais. Aí, sim, batemos os restantes povos europeus.

É certo que as sucessivas crises económicas que têm afectado o nosso país não deixam muita margem financeira às famílias para gastos em produtos culturais. Mas as crises não podem servir de desculpa. Primeiro, porque os municípios desta região continuam a gastar rios de dinheiro em actividades de gosto duvidoso a que chamam “cultura”; segundo, porque numa região onde se investiu desalmadamente em educação faria todo o sentido investir em cultura. Na verdade, os indicadores culturais estão sempre ligados aos da educação. Por exemplo, os países com mais hábitos culturais são aqueles com os níveis de sucesso escolar mais altos. Diz um ditado popular: “De pequenino se torce o pepino”. Ora, investir em cultura nas idades escolares é criar hábitos culturais nos futuros adultos. É uma questão de educação.

Poder-se-á argumentar que nesta altura de dificuldades financeiras as câmaras municipais não têm dinheiro para investir em cultura. Olhando para os programas festivos nestes concelhos, dá para perceber que a falta de dinheiro parece não ser um problema. O que parece faltar mesmo é uma agenda cultural para a região gerida por uma entidade supramunicipal. Por exemplo, não se compreende que à mesma hora que acontece um concerto num concelho A, ali, a escassos cinco quilómetros, no concelho vizinho, esteja a ocorrer outra actividade cultural.

Elaborar uma agenda cultural partilhada e coordenada faria aumentar o número de eventos culturais na região e, ao mesmo tempo, permitiria que cada município fizesse muito mais, com o mesmo dinheiro.