Verdadeiro Olhar

Cientista de Lordelo premiada nos Estados Unidos

Uma investigadora natural de Lordelo acaba de ser premiada nos Estados Unidos da América. Cecília Leal, professora assistente do departamento de Ciência e Engenharia de Materiais da Universidade de Illinois, Urbana-Champaign, recebeu o National Science Foundation CAREER Award pelo trabalho que tem vindo a realizar juntamente com a equipa de investigação que lidera. De salientar que foi a primeira mulher professora contratada no seu departamento em vinte anos de existência.

A lordelense, licenciada em Química pela Universidade de Coimbra, doutorada na Suécia e com um pós-doutoramento realizado na Califórnia, dedica-se ao estudo das propriedades fundamentais de certos materiais na natureza para, a partir daí, desenvolver materiais artificiais e novas terapias para uso na medicina.

 

Costumava perguntar à avó porque é que o céu era azul

Cecília Leal tem 39 anos e é natural de Lordelo, Paredes. Desde pequena que foi incentivada a explorar o mundo e a aprender sempre mais. “Era boa aluna e lembro-me de sentir uma certa inquietude com o desconhecido”, conta. Uma dessas inquietações, que muitas vezes punha à avó, na forma de pergunta, era “porque é que o céu é azul?”. “Pergunta à qual não obtive uma resposta satisfatória até eu conseguir ler por mim”, recorda.

Quando ingressou no liceu, em Paredes, já sabia que o seu caminho passaria pela área das ciências, nomeadamente pela Química ou pela Física. Mas ainda chegou a ponderar seguir as áreas de Filosofia ou Teatro. “Eu fazia parte do teatro da escola e adorava a vertente artística. E ainda hoje, o livro de Filosofia do liceu é um dos meus favoritos”, explica.

Mas a mãe convenceu-a de que teria mais e melhores oportunidades na área das Ciências. Acabou por optar pela Química, tendo-se licenciado na Universidade de Coimbra.

A partir daí as oportunidades não pararam de surgir. A jovem cientista foi convidada por uma das professoras a fazer um estágio na Suécia. “Em apenas três meses consegui publicar o meu trabalho numa revista científica”, salienta. Nessa altura, ainda ponderou regressar a Portugal e candidatou-se a uma vaga de emprego, mas a oportunidade de fazer investigação num instituto do Porto foi-lhe “roubada por uma sobrinha de alguém influente”. “Nessa altura Portugal desiludiu-me muito”, confessa a paredense.

Voltou à Suécia para terminar o projecto em que estava envolvida. E, mais uma vez, a sorte sorriu-lhe. “Tive a oportunidade de tomar café, todos os dias, com o presidente do comité Nobel para a Química, um dos homens mais inteligentes que alguma vez conheci, ao mesmo tempo que transbordava humildade e bondade”, lembra. Esse professor fez-lhe uma proposta irrecusável, oferecendo-lhe uma bolsa de doutoramento. Ficou na Suécia até 2006.

 

“Gosto da vida académica”

O sucesso do seu trabalho rendeu-lhe nova bolsa, desta vez para fazer um pós-doutoramento. “Quando se tem essa oportunidade, é impossível não se pensar nos Estados Unidos”, assume.

Mas ainda ficou um ano a fazer investigação num hospital na Noruega e, só no final de 2007, se mudou para a Califórnia. Foi aí que percebeu que queria ser professora universitária. “Eu gosto da vida académica, de ter liberdade para pensar nos meus próprios projectos e de trabalhar ao meu próprio ritmo. Há dias que passo o tempo a olhar para a parede, outros que trabalho sem comer durante 14 horas seguidas. É a minha forma de ser e trabalhar numa norma empresarial não iria funcionar”, admite Cecília Leal.

Mais uma vez, nessa altura, poderia ter regressado a Portugal. Mas uma oportunidade tentadora manteve-a nos Estados Unidos. Ingressou no departamento de Ciência e Engenharia de Materiais da Universidade de Illinois, Urbana-Champaign, em 2012, onde lhe deram a oportunidade de ter o seu próprio laboratório, comprar instrumentos de topo e dar aulas na sua área de interesse. Lidera neste momento uma equipa com três estudantes de doutoramento e quatro de licenciatura, um grupo bastante interdisciplinar  com a participação de cientistas de materiais, físicos e químicos.

Laboratório estuda novos materiais artificiais para uso na medicina

Pelo trabalho desenvolvido, a lordelense acaba de ser premiada com o National Science Foundation CAREER Award. “Foi uma óptima surpresa. Contudo, não caiu do nada”, salienta a investigadora. “Durante o Verão passado trabalhei imenso e, apesar de estar em Portugal, tive que sacrificar não estar com todos os meus amigos e família (o que é difícil explicar às vezes) de modo a poder escrever o projecto que acabou por ser premiado”, refere. “A competição nos Estados Unidos é feroz e foi muito gratificante ganhar”, acrescenta Cecília Leal.

A investigação que lidera está focada no estudo das propriedades fundamentais de certos materiais na natureza para, a partir daí, desenvolver materiais artificiais para uso na medicina. “O que é especial no nosso grupo é que nós tentamos perceber as propriedades de materiais do dia-a-dia e, a partir daí, desenvolver novas terapias. Por exemplo, se eu elucidar toda a física e química associada a uma bola de sabão consigo perceber, em grande parte, como as paredes das nossas células funcionam, como eliminar bactérias e como a respiração se efectua nos pulmões”, exemplifica.

E, como nos Estados Unidos a componente de investigação tem que estar sempre contextualizada com o ensino e a sua propagação ao público, parte do seu projecto passa por abrir o seu laboratório aos mais jovens, sobretudo meninas, para despertar o seu interesse pelas ciências. “O professor não deve ser um ratinho de laboratório imerso no seu mundo. Isto é particularmente importante na missão de atrair diversidade para o ensino superior. Por exemplo, eu fui a primeira mulher professora contratada no meu departamento durante vinte anos de existência!”, conta.

Quer investigar novas formas de criar energia

Este prémio vai agora permitir continuar este trabalho e levá-lo ainda mais longe. O reconhecimento está associado a um financiamento “muito generoso” para laboratório e, durante os próximos cinco anos, será possível reforçar a equipa e adquirir mais equipamento.

Por isso, Cecília Leal mantém-se sonhadora. “Eu gostava de expandir os nossos projectos a áreas mais abrangentes nomeadamente de novas formas de criar energia. Gosto de estudar os materiais na natureza. Algo que me fascina é o facto de as plantas utilizarem a energia solar com bastante eficiência. Se nós conseguíssemos desenvolver materiais inspirados na natureza de modo a converter a luz solar em electricidade por exemplo, não teríamos que depender tanto das fontes de petróleo”, dá como exemplo.

 

Paredense regressa a Portugal uma a duas vezes por ano

“Espero que os meus filhos se sintam um pouco portugueses”

Adaptar-se aos Estados Unidos não foi difícil, garante a paredense. “O país tem gente de todos os cantos do mundo por isso arranja-se sempre alguém com ideologias e princípios parecidos com os nossos”, afirma. Mas se na Califórnia havia muitos portugueses, em Illinois o grupo é mais restrito.

Questionada sobre se pretende regressar a Lordelo ou a Portugal Cecília Leal não esconde que, apesar de ser um sonho, voltar às raízes agora com família e filhos já nos Estados Unidos será complicado. “Vou a Portugal uma ou duas vezes por ano. Invariavelmente é doloroso partir. É muito difícil estar longe do meu irmão e família, sobretudo da minha afilhada”, confessa. “Mas tenho por objectivo manter fortes laços com as minhas origens e espero que os meus filhos se sintam um pouco portugueses”, sustenta a investigadora.

Apesar de reconhecer que Portugal tem grupos de investigação com grande capacidade e reconhecidos internacionalmente, a paredense não acredita que seria fácil desenvolver o seu trabalho por cá. “Num país com tantas dificuldades e falta de emprego é natural que as oportunidades para desenvolver ciência não sejam prioridade”, conclui.