Verdadeiro Olhar

De Braga à Azambuja. Médico de Penafiel dá consultas a mais de 300 quilómetros de casa

Óscar de Barros viveu grande parte da sua vida em Penafiel, até ao dia em que decidiu estudar Medicina. Actualmente, trabalha na Azambuja três dias por semana, e o resto da semana está em Braga, com a família, ou em digressão com os projectos de música em que participa.

“Houve uma altura em que o meu irmão estava a andar de bicicleta e magoou-se e eu pensei que era porreiro eu conseguir resolver estas coisas. E fiquei com isso na cabeça. Entretanto, comecei a ganhar o gosto pela interacção com as pessoas e com os seus problemas”, conta Óscar de Barros.

Andar de cidade em cidade nunca foi impeditivo de alcançar os objectivos para este médico. Nasceu no Porto, mas viveu e estudou até ao 12.º ano em Penafiel e seguiu para o Ensino Superior em Nutrição, porque não entrou à primeira em Medicina. Mais tarde, lá conseguiu e fez o curso em Braga e o Internato de Ano Comum em Faro. Já para a especialidade em Medicina Geral e Familiar viajou até Coimbra.

Foi depois parar a um centro de saúde na Azambuja, mais concretamente em Aveiras de Cima, após o concurso nacional para médicos que, na altura, tinha a maioria das vagas para a zona de Lisboa e Vale do Tejo. “Como ainda estava a morar em Coimbra, vi mais ou menos os centros de saúde que existiam e pensei que era viável fazer a viagem todos os dias. Era um bocado longe, mas era auto estrada. Só que fazer isso todos os dias é bastante complicado e houve muitas alturas em que não sabia se ia aguentar durante muito tempo”, explica.

Outra das possibilidades que tinha era seguir para o privado, para onde foram muitos colegas, mas Óscar de Barros diz acreditar “mesmo no Serviço Nacional de Saúde”. “A maioria das pessoas que precisam e não têm recursos não estão na privada, estão no SNS e foi isso que me atraiu sempre na medicina geral e familiar: poder cuidar das pessoas, da família das pessoas e daquelas que realmente mais precisam de ajuda, que não têm posses. Era no SNS que eu deveria estar”, afirma com convicção.

No entanto, deparou-se com uma realidade completamente diferente: Uma população bastante envelhecida, com uma média de idades de 70 anos e “muito desgastada porque andavam sempre a rolar médicos”. “Deu-me pica porque comecei a pegar naquilo do zero, uma trabalheira descomunal, mas comecei a ter um carinho especial”, sublinha, explicando que se sente acarinhado pelos cerca de 1.500 doentes com quem contacta naquela zona. “Quando alguém está doente e não tem consulta, as vagas estão todas cheias, se a pessoa vem falar comigo e diz que tem isto e aquilo, eu arranjo maneira de a ver, não gosto de deixar ninguém descalço e a população reconhece isso, porque não é deixada de lado”, explica.

Depois de casar, tornou-se necessária a redução de horários

No meio dessas viagens, Óscar de Barros casou-se com uma amiga do curso de medicina de Braga. E, mais tarde, fruto do amor dos dois, nasceu o filho, que tem agora quatro anos.

O médico de 37 anos resolveu, então, pedir uma redução de horário, no final do ano passado, e foi com a família viver para Braga, sem abdicar das suas paixões. Todas as segundas-feiras, acorda às cinco horas da manhã e segue para Aveiras de Cima, onde começa a trabalhar às 8h00, até por volta das 17h00. Tem o mesmo horário até quarta-feira e fica a dormir “numa pensão mais barata, que dá para dormir e tomar banho”. No final do dia de quarta-feira, faz a viagem de regresso a Braga, cerca de 300 quilómetros, para ainda “chegar a horas de poder jantar com eles, dar banhinho ao miúdo e poder ler-lhe uma historinha”. De quinta a domingo, o tempo é todo para a família e para os projectos de música em que participa.

Para Óscar de Barros “o que torna tudo mais complicado é a distância”, porque tem a família e os projectos musicais no Norte e o trabalho no Sul. “Gostava de subir, mas não quero ir para a cidade, gostava de ir para o interior, para um sítio onde as pessoas não tenham grandes acessos à saúde, um sítio onde pudesse fazer a diferença”, remata.

A motivação deste médico reside mesmo aí, no poder fazer a diferença ao ajudar alguém e é com a interacção com as pessoas que vai mantendo esta energia e satisfação no trabalho.

“Cresci no Norte e nunca assisti a passarem fome e, às vezes, saio do centro de saúde e acabo por ficar para aí uma hora a falar com as pessoas sobre a experiência delas. Porque aqui havia os campos e pouco mais, as pessoas viviam da terra e é uma realidade, que embora se assemelhe a alguns sítios no Norte, com a qual não cresci”, lembra.

Música dividiu escolhas e agora é mais uma das paixões que preenche a agenda

A música foi uma das áreas que dividiu Óscar de Barros quando teve de escolher o que queria seguir. Sempre teve uma “ligação muito grande à música”, funcionando como “um refúgio”, tendo inclusive realizado formação musical clássica. Ao entrar para a faculdade, começou a interessar-se por um estilo de música mais tradicional, aprendendo a tocar outros instrumentos, como a “gaita de foles e percussões tradicionais”.

Actualmente, participa na “Cabra Çega”, uma banda de groove folk, criada em 2012, em Braga; e também na Drusuna, um grupo de folk pagão, criado em 2011.

“Sempre que a nossa banda ia em concertos era porreiro porque íamos, na maioria das vezes, para terras pequenas e acabávamos por conhecer as pessoas de lá e, lá está, acabava por me dar o mesmo prazer que tenho no consultório, que é conhecer as pessoas, aquilo que fazem, os problemas que têm, o que é preciso fazer, o que se pode fazer, partilhar experiências e vivências e isso dá-me uma pica enorme”, revela.

“A minha vida é esta: Sou médico três dias por semana, sou músico, sou pai e sou marido. É uma grande confusão, mas sinto-me realizado assim”, garante.