Verdadeiro Olhar

A Teresa

Este texto sintetiza o artigo «Obrigada, Teresa» publicado pela Maria Zarco na coluna «Vai um Gin do Peter’s?» do blogue «Adeus até ao meu Regresso» (https://adeus-ate-ao-meu-regresso.blogspot.com/2021/07/vai-um-gin-do-peters_075102758.html). 

Meses antes de concluir os estudos liceais, a Teresa foi convidada a falar aos colegas da sua experiência com uma síndrome diagnosticada aos 3 anos de idade, que lhe retira quase toda a visão e se agrava em crises cíclicas, irreversíveis. Antes de transcrever alguns apontamentos do testemunho da Teresa na «Assembleia do seu Liceu», vale a pena dar o contexto. 

Apesar da parca visão, aquela «teenager», gira e despachada, não se priva de levar um dia-a-dia animado, próprio dos 18 anos. Monta a cavalo, emprestado pela GNR; sai-se bastante bem no «sky», com a ajuda do guia que a orienta nas pistas; diverte-se com os amigos e tem por disciplina preferida a educação física. Diz a mãe, com humor e lealdade, que a proeza desportiva se deve ao desvelo dos professores, que sempre lhe garantiram as condições de segurança para fazer ginástica sem riscos… e sem ver. Só a sentir. É também a sentir, cheia de precauções e truques, que consegue cumprir tarefas banais como descer escadas. Completou o liceu com notas razoáveis, sem nunca ter chumbado. 

Na tal «Assembleia do Liceu», em Abril, a Teresa deu a conhecer um pouco da sua condição particular, com uma simplicidade tocante:  

— «Quando o Professor José Feitor me deu a ideia de criar um “site”, (…) sugeri à Beatriz fazer sobre a minha doença, porque já sabia tudo e era só escrever. 

Mas, enganei-me… Pergunto-me como é possível ter durante 15 anos uma doença e não saber quase nada acerca dela, a não ser o facto de não ver bem. (…) Em minha casa sempre fui habituada a ser tratada como uma pessoa normal e tenho sempre muita ajuda (…), por isso, nunca tive necessidade de pesquisar (…) acerca da “uveíte pars planitis anterior”. 

(…) Uma das curiosidades que descobri enquanto estudava a doença é que ela atinge maioritariamente homens e pessoas acima dos 60 anos. Como podem verificar, isso não acontece comigo. 

A “uveíte pars planitis anterior” é uma das doenças auto-imunes que está, normalmente, associada à arterite reumatóide. Está entre as 20 doenças raras do mundo. 

Desde a descoberta da minha doença, que eu tomo medicamentos muito agressivos (…) e fui submetida a muitos tratamentos e experiências. Sublinho apenas os dois últimos, as duas injecções periódicas (…) que a minha mãe teve de aprender a dar. Eu não confiava em mais ninguém. 

Esta doença foi-me diagnosticada aos 3 anos de idade. (…) Manifesta-se em “crises” e, de cada vez que há uma “crise,” há uma colagem da retina, de onde resulta uma perda de visão irreversível. A retina não volta a descolar. (…) Mas não é impedimento nem desculpa para não fazer, ou fazer mal, o que tenho para fazer. E muito menos, é um impedimento para ser feliz. 

Se Deus permite que eu exista com esta doença é porque faço falta. E também por isso me deu a família que tenho e todos os amigos com quem me tenho cruzado. 

Estou certa, até porque experimento isso, que há um desígnio bom nesta doença. 

A maior parte de vocês já reparou que eu entro todos os dias no colégio com um “trambolho”, como diz a Professora Joana. Esse “trambolho” chama-se telelupa, que é só o Ferrari das lupas. Consegue focar a 1 km de distância. (…) Todos estes instrumentos, que me facilitam a vida quotidiana, mostram a velocidade a que os cientistas trabalham para servir pessoas como eu». 

Não cabe neste resumo apertado toda a intervenção da Teresa nem os comentários interessantes da Maria Zarco. Ficam só as últimas palavras do artigo: «Muito obrigada Teresa por saberes ser quem és. Começa aí a tua excepcionalidade maravilhosa». 

José Maria C.S. André 

Numa fotografia dos finalistas do colégio, com os seus olhos turquesa e doces, mais aptos a perscrutar o mundo interior que o exterior.