Foi em 1984 que estreou o filme “Karaté Kid”, que conta a história de Daniel Larusso, um jovem que se muda para a Califórnia com a mãe e que conhece o Sr. Miyaggi, que lhe vai ensinar tudo o que precisa de saber, não só sobre o karaté, mas também, sobre a vida. E, a partir dali, nasceu uma amizade, onde é transmitida a disciplina, o respeito e a superação.
Talvez Gonçalinho Garcia nunca tenha ouvido falar deste jovem, mas, e depois de o VERDADEIRO OLHAR o entrevistar, percebemos que a realidade, muitas vezes, supera a ficção e, neste caso, as máximas deste jovem atleta, que já é um gigante do karaté, passam pela “disciplina, o treino, o descanso e a alimentação”. Ingredientes que, alinhados, têm conseguido elevá-lo aos patamares mais altos da modalidade.
António Gonçalo é conhecido no meio desportivo por Gonçalinho e o VERDADEIRO OLHAR foi conhecê-lo no Complexo de Piscinas da sua terra, onde funcionam as Escolas de Karate de Penafiel, e onde treina quase todos os dias da semana. O menino, que dá golpes no ar, veste o Kimono do Clube de Karate da Maia, onde diz ser “muito feliz”, porque o “nível competitivo é elevado”, algo que o tem catapultado para outros voos.

Gonçalinho veio à entrevista acompanhado pela mãe que, tal como o pai, é professora de karate, em Penafiel. Por isso, aos dois anos, “já frequentava as aulas da modalidade, mas “só uns 10 ou 20 minutos”. Depois, cansava-se e ia brincar. O também jovem estudante da Secundária de Penafiel ainda andou pelo futebol, porque os pais deixaram-no experimentar, apenas queriam que “fosse feliz” e as artes marciais seriam apenas uma opção somente se “ele gostasse, nunca lhe foi imposto nada”, explicou a mãe que, ao falar do filho, não consegue disfarçar o orgulho e o amor imenso no olhar.
Mas o futebol não era o caminho, porque, e apesar de coletivo, “era um desporto muito individualista”, conta Gonçalo que encontrou no karaté “uma família” e “mesmo em provas fora de Portugal, por exemplo em Espanha, os adversários são amigos e torcem por mim quando estou a combater”. E isso é “único”, atira a mãe.
Gonçalo tem uma vida muito preenchida e os sete dias da semana incluem sempre o karaté. “Estudo de manhã, depois vou para a escola e, quando posso, venho a casa lanchar ou vou direto para o treino que, uma vez por semana, é na Maia”. As poucas horas do dia que restam são ocupadas com os trabalhos de casa e com a família, o pilar deste menino que vai para a cama, a maior parte dos dias, cerca das 22h30.
Avô António é um pilar na vida de Gonçalinho
Durante a conversa, Gonçalinho fala do avô António, com 87 anos, advogado reformado que, para além de lhe dar afeto e amor, o ajuda na vida escolar. “Ele ensina-o e apoia-o nos trabalhos de casa. Aliás, nesta altura, já está a estudar as matérias do 8º ano para depois poder ajudar o neto”, conta a mãe do atleta que se sente reconhecida pelo facto de o filho ter esta âncora que partilha, não só a sabedoria, mas também todo o amor, dedicação e paciência com o seu filho.
E que menino é este? É “muito meigo, carinhoso e está sempre pronto a ajudar”. A mãe Graça descreve-o assim, mas nem precisava, porque ao longo da entrevista esses sinais foram bem visíveis. Gonçalinho, “o menino que todas as mães gostariam de ter como filho”, começou a competir com seis anos, mas, e para além de estar focado na modalidade, também gosta de estudar e para o seu futuro vislumbra duas possibilidade: ou vai ser médico ou professor de Educação Física, confessou o jovem, natural da freguesia de Cabeça Santa.
Família Garcia vai aumentar. Irmão de Gonçalinho nasce em setembro
Para além do foco nos treinos e na disciplina, o atelta de 13 anos é muito determinado, porque, e como confessou ao VERDADEIRO OLHAR, nunca se cansa. Todos os fins-de-semana tem competições e os pais acompanham-no sempre. “Abdicamos de muitas coisas, sobretudo as fúteis”, conta a mãe, especificando que se sentem mais felizes a levá-lo às competições e aos treinos do que a dar-lhe um telemóvel caro ou outras coisas tidas como supérfulas. E Gonçalinho, que foi agora chamado à seleção nacional, aproveita para interromper e dizer que os pais “lhe dão tudo o que precisa”, sendo certo que “as boas oportunidades, como uma ida ao Luxemburgo em setembro”, onde tem uma competição, são aquilo que mais deseja.

Gonçalo compete noutras terras do país e, nessas alturas, a família aproveita para lhe dar a conhecer esses locais. “No final das provas vamos passear e mostrar-lhe tudo”, explica a mãe que sabe que isso vai contribuir para o seu crescimento, não o limitando a ficar confinado às paredes dos pavilhões.
Perguntamos ao Gonçalinho se era uma menino mimado e a resposta foi imediata. “Sou sim”, frisou com um sorriso. E o avô António regerssa à conversa. Recentemente perdeu a mulher e “está sempre preocupado com ele”, disse a mãe, confidenciando que o neto acabou por se transformar no necessário abraço constante e invisível, e que surgiu, talvez, para combater a solidão e preencher um pouquinho do vazio deixado pela outra vida partilhada do avô. E Gonçalinho agradece e sabe que é um sortudo. Uma sorte que, a partir de setembro, vai ter que dividir com o irmão que vai nascer. Apesar de, “há muito ter pedido um irmão”, diz que gostava que fosse uma menina, “queria tomar conta dela”, mas a vida nunca é uma linha reta. Ainda assim, o jovem atleta espera que o Gonçalo António, o nome escolhido para o bebé, sorva tudo aquilo que lhe poderá ensinar pela vida foram e, quem sabe, no karaté.
Pais de Gonçalinho nem fazem contas ao que gastam com a vida de atelta do filho. Importa é que seja feliz
Tal como outras modalidades, o karaté também é caro, mas os pais de Gonçalinho dizem que preferem “nem fazer contas”, por isso não sabem quanto gastam com o filho. Para além de tudo o que precisa para a sua prática, há que contabilizar as inscrições nas provas, as viagem, a alimentação, por vezes a estadia e as idas ao estrangeiro, onde vai sempre acompanhado ou pelo pai ou pela mãe. Em setembro, vai participar numa prova no Luxemburgo. Será a primeira vez que não conta com a presença dos pais, avança ao VERDADEIRO OLHAR, acrescentando que também tem medo de andar de avião. “Mas “vai correr bem”, vaticina o karateca que sabe que vai ter que “superar” esta fobia, porque, e como tem na mira “muitas provas internacionais”, terá que dar cabo este receio. Já a mãe, que está feliz por mais esta participação, não deixa de confessar que vai ficar “com o coração apertado”, mas, e volta a reiterar, que o objetivo é “vê-lo feliz e proporcionar-lhe tudo para que consiga realizar os seus sonhos”.
E como é que se encarra a entrada em provas nacionais e internacionais e a competir, muitas vezes, como os melhores? “Quando são provas em Portugal não fico nervoso, mas quando é lá fora é diferente, fico mais ansioso”, relatou-nos. Aliás, no início “não comia antes de entrar”, mas, como o tempo, esse receios foram-se dissipando.

“Todas as crianças e jovens deviam particar um desporto”
Hoje, Gonçalinho sabe bem o que quer e o que não quer. É certo que recusa perder tempo agarrado ao telemóvel, porque “não nos acrescenta nada e todos as crianças e jovens deveriam praticar alguma modalidade”. Para além disso, “prejudicam os estudos, porque chegam a casa e agarram-se ao telemóvel”, disse ainda, mostrando que é uma atitude bem contrária à sua que não gosta de “estar parado” e tem que estar sempre “a fazer alguma coisa”. E, apesar de ter apenas 13 anos, tem uma vida preenchida de feitos, não fossem os 90 pódios, em competições que vão desde a Áustria, Alemanha, Espanha ou na Ericeira, Oeiras, Lisboa, Valongo, Maia Mealhada, entre muitas outras, a prova disso.
Mas a vida deste atleta de Penafiel não se cinge apenas aos estudos e ao karate, porque também gosta de ler e o último livro que devorou foi “Hachiko: O Cão que Esperava, de Lluís Prats. Tivesse mais tempo e poderia embarcar em outras aventuras contadas em folhas de papel. Gonçalinho também tem heróis, um deles é o ucraniano Stanislave Horuna, um karateca que é medalhista olímpico e, para além disso, é formado em Direito, pela Universidade Nacional de Lviv.
Sobre o seu futuro, o sonho de Gonçalinho passa por “representar Portugal no Campeonato da Europa ou do mundo”. Para já, lamenta que a sua modalidade de coração tenha sido retirada do programa dos Jogos Olímpicos de Paris, sendo que também não estará representada em Los Angeles, em 2028. Ainda assim, e quando o karaté voltar a pisar os maiores palcos mundiais do desporto, espera entrar, como atleta, num estádio olímpico a abarrotar.
E não vai ser difícil porque sabemos que Gonçalinho, o menino encantador, ainda vai dar muito que falar. Para já, e apenas com 13 anos, este talento de Penafiel derruba tudo e todos e não deixa de ser aquela esperança para a modalidade e para crianças e jovens. E participar nos Jogos Olímpicos será um feito ao alcance de todos, mas que só os predestinados, como este menino, podem ousar em fazer cumprir.