Verdadeiro Olhar

41 alunos de Mouriz e Ermesinde querem ser “campeões da poupança”

Querem ir à Disneyland Paris, comprar sapatilhas ou jogos de computador. Alguns têm mesadas, semanadas ou mealheiros, outros fazem pequenas tarefas para ajudar os pais em troca de um “pagamento”. E já aprenderam como se poupa e como se deve gerir um orçamento ou a distinguir o que é essencial do que é supérfluo.

Dezenas de alunos da região estiveram envolvidos num projecto de literacia financeira para crianças da Fundação Dr. António Cupertino de Miranda que pretende ensinar aos mais jovens a gerir o dinheiro e o seu valor. Ao todo, 41 alunos da região, das Escolas Básicas de Mouriz, em Paredes, e Montes da Costa, em Ermesinde, chegaram à final das Olimpíadas de Educação Financeira, que será disputada esta quinta-feira, no Porto.

Ambas as escolas prometem esforçar-se para ganhar. Os professores acreditam que este projecto é uma mais-valia para os alunos.

800 alunos disputam final

Cerca de 800 alunos de 31 escolas do Porto e Norte de Portugal disputam, esta quinta-feira, a final das Olimpíadas da Educação Financeira, destinadas a jovens que frequentam o 1.º e 2.º ciclo e que tem por objectivo incentivar o interesse dos alunos pelos temas da educação financeira para que, de forma lúdica, se consciencializem da importância do dinheiro e adquiram competências com vista a um comportamento responsável do ponto de vista financeiro. Para chegar aqui, as escolas inscritas no projecto “No Poupar é que está o Ganho” tiveram que passar a primeira fase da prova respondendo a um desafio online.

A Fundação Dr. António Cupertino de Miranda anda à procura dos “campeões da poupança”. Para obterem esse título as turmas apuradas terão agora que responder a um “quizz cujas questões estão relacionadas com os vários temas de Educação Financeira que, de acordo com o Referencial de Educação Financeira publicado pelo Ministério da Educação, devem ser leccionados no primeiro e segundo ciclos do ensino básico”, explica a Fundação. As equipas finalistas disputarão entre si o primeiro, segundo e terceiro lugares de classificação.

A competição vai já na segunda edição e quer “preparar os jovens para enfrentar cenários financeiros cada vez mais arriscados e complexos e capacitá-los a tomarem decisões financeiramente correctas e a adoptarem boas práticas no uso do dinheiro”.

Na região há duas turmas apuradas para participar na final e ambas se dizem motivadas para conquistar o primeiro prémio. São a turma do 3.ºA da Escola Básica de Mouriz, em Paredes, e a turma do 3.ºD da Escola Básica de Montes da Costa, em Ermesinde, Valongo.

“Este projecto permite preparar as crianças para o futuro em termos financeiros, para saberem gerir e conhecerem o valor do dinheiro”

Em Mouriz, a animação é visível. Os 20 alunos prometem esforçar-se para ganhar e dizem-se felizes por terem sido apurados para a final desta competição.

“Aprendemos a gerir um orçamento e saber o que são rendimentos e despesas e fizemos jogos interessantes. Eu adorava aquilo”, conta o Luca. “Aprendemos a poupar”, acrescenta a Leonor. “Quando não se gere bem o orçamento podemos ficar sem dinheiro”, diz o Dinis.

A turma argumenta que com este projecto aprendeu a distinguir o que é supérfluo e o que é necessário, a história do Papel Moeda, a gerir uma mesada e a preparar um fundo de emergência, entre muitos outros conceitos.

“Este projecto permite preparar as crianças para o futuro em termos financeiros, para saberem gerir e conhecerem o valor do dinheiro”, acredita a professora Sílvia Barbosa. A docente salienta que numa sociedade consumista é preciso estabelecer um equilíbrio entre o que é necessário e o que não é, o “que muitas vezes não acontece”.

“Sinto que estão a interiorizar os temas abordados. Gostaram dos quizz, tinham linguagem simples e ficaram motivados”, garante Sílvia Barbosa.

Fruto deste trabalho, a professora espera que os jovens guardem essa consciência financeira na memória. “Sei que muitos deles levam isto para casa, acredito que através deles podemos chegar à família e que, quando tiverem mesada, poderão implementar estes conceitos e ser no futuro melhores gestores do seu dinheiro”, afirmou.

“Sinto que há pais que já tentam explicar aos filhos que o dinheiro não chega para tudo”

O mesmo espera Natalina Amorim, professora do 3.ºD da Escola Montes da Costa. “O tema é interessante, sobretudo nos dias que correm, e já conhecia o projecto do ano passado. Achei que seria mais-valia para os alunos”, explica a docente, justificando o porquê de ter agarrado este desafio.

“Fizemos trabalhos em sala, respondíamos a desafios mensais e fizemos uma visita ao Museu do Papel Moeda que foi muito interessante. Os meninos reagiram bem e estão a gostar do projecto. Alguns já recebem mesada ou semanada e já percebem que é preciso poupar, outros ainda têm a aquela ideia de que quando não há dinheiro basta passar um cartão”, assume a professora.

“Sinto que há pais que já tentam explicar aos filhos que o dinheiro não chega para tudo. Espero que os alunos fiquem com essa consciência financeira de que é preciso poupar para um objectivo”, acrescentou Natalina Amorim.

E objectivos não faltam aos 21 alunos da turma. O Martim andava a poupar a mesada para umas sapatilhas, mas também quer ir à Disneyland Paris… Um sonho partilhado pela Maria. “Eu recebo se trabalhar, arrumo o meu quarto e as coisas da minha gata e recebo dois euros por tarefa”, conta o Rodrigo, que já poupou para um jogo. E quando o Ruben ajuda os pais na feira também recebe uma recompensa. Mas os pais, confessam as crianças, vão dizendo muitas vezes que não há dinheiro para todos os sonhos.

“Gostamos de participar neste projecto, está a ser divertido e aprendemos várias coisas. É bom sair da rotina das aulas”, disseram os alunos do 3.ºD.

 

Entrevista a Maria Amélia Cupertino de Miranda, presidente da Fundação António Cupertino de Miranda

“Há um enorme défice de literacia financeira em todas as idades”

Foto: Fundação Dr. António Cupertino de Miranda

Esta é a segunda edição da iniciativa “Olimpíadas de Educação Financeira”. Qual o balanço que faz?

O balanço é muito positivo. O entusiasmo e adesão do ano passado foram grandes, mas o deste ano está ser muito maior.

Houve um enormíssimo aumento na participação. No ano passado as Olimpíadas foram jogadas à escala da Área Metropolitana do Porto, quer isto dizer que falamos de um território de 17 municípios. Este ano, estão a ser jogadas por escolas da Área Metropolitana do Porto, da CIM do Alto Minho, da CIM do Cavado, da CIM do Ave e ainda da CIM do Tâmega e Sousa. O universo do projecto abrange 34 municípios, 300 turmas, 6.000 alunos.

Nestas segundas olimpíadas, cuja primeira fase terminou no dia 15 de Março, jogaram o quizz online 153 turmas, ou seja 3.000 alunos.

Dessas 153 turmas foram apuradas para a final, que será jogada presencialmente no dia 22, na sede da Fundação, uma turma por município, ou seja 26 turmas do 1.º ciclo e cinco turmas do 2.º ciclo, num total de 31 turmas e cerca de 800 alunos.

Que motivos levaram a Fundação António Cupertino de Miranda a avançar com este projecto? Sentem que os jovens não estão devidamente despertos para as questões financeiras?

Em 2009, a Fundação realizou um projecto de investigação em colaboração com a Universidade do Porto, especificamente com o Departamento de Museologia da Faculdade de Letras. O que se descobriu foi que o principal problema das escolas circunvizinhas da Fundação, nas quais foi aplicado projecto de investigação, era a falta de dinheiro.

Este finding – o baixo nível de literacia financeira – veio a ser confirmado pelo primeiro inquérito à Literacia financeira dos Portugueses, lançado pelo Banco de Portugal, em 2010. Actualmente, o Plano Nacional de Formação Financeira e o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros considera que a educação financeira tem de ser uma estratégia nacional.

Há um enorme défice de literacia financeira em todas as idades – nas crianças, nos adultos e sobretudo nos seniores e nas pessoas com necessidades especiais.

Os pais não estão preparados para ajudar as crianças?

Claro que não. Eles próprios nunca foram educados financeiramente.

A população portuguesa apresenta baixos padrões de conhecimentos financeiros, nomeadamente aqueles considerados necessários para efectuar julgamentos informados e tomar decisões eficazes tendo em vista a gestão do dinheiro.

A baixa literacia financeira afecta o bem-estar dos cidadãos, tanto do ponto de vista individual como colectivo, pois, por um lado, compromete a sua capacidade de tomarem decisões pessoais adequadas às suas necessidades e recursos e, por outro, constitui uma ameaça para a sustentabilidade dos sistemas financeiros e económicos no seu todo.

O diagnóstico resultante do 1.º Inquérito à Literacia Financeira da População Portuguesa em 2010 pelo Banco de Portugal aponta neste sentido.

Trata-se de mostrar o valor do dinheiro. As crianças não são educadas para terem noção deste valor?

O Projecto “No Poupar está o Ganho” não mostra só o valor do dinheiro. A ideia que está subjacente a este projecto é a de transferir conhecimento, desenvolver competências financeiras para depois mudar atitudes e comportamentos, para que os alunos sejam financeiramente mais informados e façam melhores escolhas.

Foi feito algo que jamais se fez, quer em Portugal quer a nível internacional: uma medição de impacto social, para se perceber se o projecto era eficiente e eficaz, se produzia impactos.

A Medição de Impacto Social foi realizada pelo SINCLab – Social Inclusion Laboratory da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto e envolveu uma ampla participação da comunidade educativa.

A medição de impacto refere que “em termos globais, a evidência recolhida demonstra que o programa ‘No poupar é está o ganho’ tem um impacto social positivo tanto no que concerne a um conjunto pré-definido de competência própria da literacia financeira, como também em atitudes, expectativas, emoções e promoção de ‘relações familiares empáticas’ relacionadas com a gestão quotidiana do dinheiro”.

Na relação entre a promoção de literacia financeira e a promoção de desenvolvimento psicossocial, as crianças que participaram no projecto passaram a expressar emoções “mais positivas” face a expectativas pessoais que não se realizam devido à necessidade de gestão dos recursos familiares e também maior compreensão/empatia relativamente a decisões dos pais sobre os recursos financeiros familiares.

“Estamos a criar uma nova geração de consumidores”

É fácil ensinar a uma criança (sobretudo no caso dos mais jovens) o valor do dinheiro?

Acho que é preciso saber ser persistente, usar uma linguagem muito acessível, motivar os professores, dar-lhes todas as ferramentas para que possam ensinar os alunos, ter práticas de muita proximidade com os professores e alunos. A chave do sucesso é saber mostrar que o dinheiro quando é bem gerido e se tem uma relação saudável com ele nos traz felicidade e equilíbrio.

Acho que estamos motivados porque sabemos que estamos a criar uma nova geração de consumidores. Claro que isto não se consegue de um momento para o outro, porque tudo o que envolve mudança de comportamentos é complexo e leva o seu tempo.

O que espera que estes alunos guardem desta competição?

Neste projecto aprendem que necessidade não é o mesmo que desejo; compreendem a diferença entre o necessário e o supérfluo; aprendem a planear e a gerir um orçamento e também que quando se poupa é preciso estabelecer objectivos e prioridades; compreendem ainda a importância da ética nas questões financeiras e ficam a saber que existem direitos e deveres relativamente às questões financeiras.

Que impacto é que esta formação financeira pode ter junto dos mais jovens e na forma como vão encarar questões financeiras no futuro?

Vão estar mais capacitados, mais informados, vão fazer escolhas mais acertadas e vão saber gerir o seu dinheiro. Vão poupar e investir o seu dinheiro, de maneira segura e correcta.

Mais uma vez comprova-se a ideia de que é pela juventude que se pode mudar o panorama da literacia/iliteracia financeira no país educando agora melhores consumidores para o futuro?

Todos os estudos feitos, quer a nível nacional, quer a nível internacional mostram que é preciso intervir o mais cedo possível, começando logo que a criança ingresse na escola.